Todo ano, o Collins Dictionary divulga uma lista de palavras que se destacaram nos 12 meses anteriores. Em 2021, o termo da vez foi NFT. Embora o primeiro NFT tenha sido lançado em 2014, os non-fungible token – em português tokens não fungíveis – ganharam destaque nos últimos anos, principalmente no Brasil, que é o segundo país com mais buscas no Google sobre o assunto, segundo um manual da HelloSafe.
Em 2021, o influenciador Felipe Neto arriscou nesse universo e lançou uma coleção com 50 itens no valor de R$ 500 cada. As artes foram adquiridas por 39 pessoas diferentes e se esgotaram em duas horas. Esse ano, o jogador de futebol Neymar entrou para a onda das artes de macaquinhos em NFT e gastou cerca de R$ 790 mil ao comprar uma das obras da coleção Mutant Ape Yacht Club, artes digitais criadas pela startup Yuga Labs.
Mas, afinal, o que são NFTs? Para que servem? Onde é possível comprar? NFTs são investimentos financeiros? Quem está apostando em NFT? Por que os famosos estão aderindo à moda? Para sanar todas as dúvidas, o Startupi produziu uma série de matérias sobre o tópico, começando com a entrevista de três especialistas no assunto.
O que é NFT?
Segundo o professor Mathias Naganuma, da Faculdade Impacta Tecnologia, NFT é um token não fungível, que não pode se fazer substituir por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. Em outras palavras, é algo único.
É uma espécie de certificado de propriedade digitalmente criptografado armazenado no blockchain, garantindo sua originalidade e exclusividade. É possível ter NFT de obras de arte, jogos, itens colecionáveis, fotos, ingressos, produtos, licenças, entre outras áreas.
“O dono de uma NFT terá a sua propriedade, mas não necessariamente a posse do item. Você pode ser dono de uma obra de arte virtual, mas não terá a posse dessa obra, ou seja, outras pessoas podem imprimir sua obra de arte e ‘pendurar na parede’, mas ela não será a proprietária daquele quadro. Somente o dono do NFT será o verdadeiro proprietário, pois terá a ‘chave criptografada’ no blockchain que garante a originalidade e exclusividade daquele item”, explica Naganuma.
Como criar, vender e comprar um NFT?
O NFT está registrado digitalmente em uma blockchain e o processo de criação dos tokens não fungíveis é chamado de “cunhagem”, ou “mintagem” – versão abrasileirada do verbo em inglês “to mint” que significa cunhar ou criar.
“É um processo onde um meta-arquivo ou meta-dado, que pode ser uma imagem, som, vídeo etc., é armazenado em um contrato inteligente e confeccionado para a leitura e visualização do mesmo. É algo bastante técnico e cada blockchain tem uma particularidade quando se trata de criação de NFTs”, diz Bruno Milanello, executivo de novos negócios do Mercado Bitcoin.
Catarina Papa, partner da Unblock Capital, deixa uma dica para quem quer criar e vender seus NFTs. “Eu criei uma arte digital e devo fazer algumas perguntas antes de escolher a blockchain que vou registrá-la: por que eu quero registrar? eu quero vender essa arte? ela representa algum valor? Se sim, qual é a melhor blockchain para registro?”.
O mercado de blockchain é grande e cheio de oportunidades. Algumas blockchains são mais específicas para um tipo de arte, outras têm um valor muito alto, há algumas com valores mais acessíveis e com uma ambientação diferente, e a segurança também deve ser levada em conta. Tudo deve ser estudado para que haja uma sinergia entre o criador e a blockchain escolhida.
O processo de vender um NFT é como vender outros criptoativos. É preciso abrir uma carteira digital (wallet), com o objetivo de armazenar o seu produto (ativo) e depositar uma quantia de criptomoedas. Isso porque, segundo Nagamura, é cobrada uma taxa para a criação do NFT. Então, o próximo passo é vincular sua wallet a um marketplace que permita a venda de tokens não fungíveis, e aí enviar o arquivo. Ele passará por um processo de verificação de originalidade, e posteriormente o criador do NFT precifica o produto e o disponibiliza à venda.
“Uma vez que você cunha ele em uma blockchain, o NFT pode ter um valor e, através dessa característica tecnológica, posso fazer ele transitar e chegar para o comprador. Então além do benefício do registro único, esse NFT se torna um item de transferência de valor”, afirma Catarina.
Existem diversas plataformas de compras de NFT que servem como uma vitrine dos itens vendidos. Algumas das mais conhecidas são: OpenSea, SuperRare, Mintable, Nifty Gateway, Inspired.io, NFTrend, Vivi3.com, Mercado Bitcoin, entre outras.
NFT é só arte?
Segundo Catarina, as mudanças culturais usualmente começam através da arte, do esporte e da música. Por isso o NFT começou com obras e está se condensando nesse setor, mas há diversos segmentos para serem explorados.
“Quando entendermos que o NFT pode ser um dado, uma pessoa, uma propriedade intelectual ou um ativo real, e estivermos habituados com o real valor e potência do token não fungível, vamos expandir para além do ambiente da arte”, diz.
No esporte e música, além dos NFTs colecionáveis, o novo formato é a compra de uma ou mais experiências através do token não fungível. Os NFTs agora substituem as antigas carteirinhas de clubes de futebol e os fãs podem ter acesso, por exemplo, a conteúdos especiais, momentos adicionais nas arenas e jantares com jogadores.
O mercado também já liberou, de acordo com a especialista, a compra de um NFT para participar da criação de roteiros de Hollywood, por exemplo. “Você está microcolaborando para a construção daquele roteiro e quando ele for usado ou vendido você irá receber por isso”, explica.
Todas NFTs são caras?
Segundo Milanello, a maioria dos NFTs não passam de U$ 10, mas as coleções que atingem valores mais altos costumam ter acessos a clubes exclusivos, seja virtual ou físico, escassez na quantidade, equipe renomada, roadmap de entregas factíveis (espécie de “mapa” que visa organizar as metas de desenvolvimento de um software), relevantes e esperadas pela comunidade, pelo envolvimento de todos os participantes, pela exposição que o ativo pode trazer, pela possível utilidade do NFT, entre outros fatores.
A obra mais cara da história em NFT é chamada de The Merge. A diferença é que ela foi dividida em 312 mil partes diferentes, que foram adquiridas por mais de 28 mil pessoas, somando um total de US$ 91,8 milhões, de acordo com um manual da HelloSafe.
Como investir em NFT?
Como todo investimento, os especialistas afirmam que é preciso saber os riscos, os objetivos pessoais e horizontes de investimento, dentre diversos critérios. Em última análise, é preciso entender o perfil do investidor (conservador, moderado, agressivo) e apetite ao risco para entender que tipo de projeto é mais adequado e quais devem ser evitados, objetivos de curto, médio e longo prazo e as condições financeiras atuais de quem quer investir.
Bruno Milanello destaca alguns riscos inerentes de investimento em NFT: Risco do protocolo, o que significa que há um risco do contrato inteligente possuir falhas e/ou da própria blockchain em que foi criada possuir falhas; Risco reputacional: é muito importante lembrar que os NFTs refletem ideias, comunidades, marcas e momentos, portanto qualquer deslize cometido pelos criadores e fundadores do projeto podem implicar em descrédito do mesmo e a consequente perda financeira; Risco de propriedade intelectual, quando um projeto pode não ter os direitos de propriedade para criação de NFTs, o que resulta no banimento dos mesmos ativos nas diversas plataformas de negociação; Risco de execução: é comum que os projetos de NFTs possuam um roadmap bem claro, no entanto, é recomendado ficar em alerta quando se olha um roadmap muito complexo ou extremamente ambicioso.
“É extremamente importante lembrar que os criptoativos são ativos alternativos e ainda muito recentes se comparados a ativos mais tradicionais como moedas e títulos de renda fixa. Dito isso, é preciso ajustar o tamanho do investimento frente ao risco que essa classe reflete”, reforça Milanello sobre o novo mercado que ainda está passando por ajustes de precificação.
Catarina aconselha que quando o investimento for em NFT de arte, o investidor estude e se conecte com a comunidade antes de comprar uma NFT. “Eu vou no Twitter da comunidade para saber porque estão fazendo aquele NFT, saber qual é o valor, se a comunidade está ativa, quais são suas nuances. É preciso muita habilidade para analisar uma arte e saber o valor dela no futuro”.
Qual a diferença entre NFTs e criptomoedas?
Segundo Milanello, ambos pertencem a uma classe maior, a dos criptoativos. As criptomoedas possuem características como a de reserva de valor, instrumento de troca e unidade de conta. Já os NFTs não podem ser substituídos por outro da mesma espécie, mas são instrumentos híbridos e flexíveis, que podem ter algumas funções de moedas, assim como função de utilidade, com acesso a um evento ou metaverso.
Por que os NFTs vêm ganhando destaque?
Além dos NFTs terem caído na graça dos artistas, na opinião dos especialistas, os tokens não fungíveis são mais fáceis para a pessoa física entender o conceito e a utilidade dessa posse digital, do que o conceito de um novo padrão de moedas, no caso as criptomoedas.
Eles ganham destaque pela facilidade e desburocratização no registro de autenticidade de um determinado “produto”. Apesar das inúmeras questões jurídicas envolvidas e que serão objeto de debate, com o uso do NFT não é mais preciso fazer uso dos órgãos oficiais de registro de marcas e patentes, por exemplo. Os NFTs também “conversam” com os usuários num nível afetivo e prático.
Futuro do NFT
Para Catarina, o futuro dos NFTs é a potência de que tudo possa ser registrado e transitado, desde dados pessoais, conforme a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), até trechos de músicas. “Eu sou fã e vou comprar a parte daquela música que gosto, vou ter direito autoral e vou receber quando ela circular. É a digitalização e o registro de qualquer tipo de coisa. Isso vai se transformar em uma nova forma de economia circular”, finaliza.