* Por José Ricardo de Bastos Martins
Como já comentei em outro artigo nessa mesma coluna, quando tentei estabelecer as principais diferenças entre o empreendedor e o inovador, o primeiro tem como característica mais marcante a perseverança. E nem poderia ser diferente, especialmente no Brasil. Se em qualquer lugar já é complicado tirar uma ideia do papel, imagine num país em que a burocracia é ainda maior, assim como os riscos decorrentes da falta de um ambiente regulatório adequado, somando-se a isso, ainda, uma política econômica que fomenta uma completa aversão a riscos, ao praticar taxas de juros exorbitantes, que impedem o homem comum de sair de sua zona de conforto, na busca de retorno pelo seu investimento.
Estamos no meio de uma crise econômica mundial, mas que parece começar a se encaminhar para um desfecho positivo com a retomada de algum crescimento em parte da Europa e também nos Estados Unidos. O Brasil, entretanto, segue afundado em problemas políticos e sociais que tornam ainda incerto o horizonte em que poderemos, de fato, dizer que finalmente é possível enxergar uma luz no fim do túnel. Curiosamente, num ambiente como esse, era de se esperar que se sobressaíssem as startups, já que pela suas próprias características de negócio embrionário, são em geral mais flexíveis e também possuem estruturas de custo mais enxutas. Essas características deveriam se transformar em vantagem competitiva mas, aqui no Brasil, os problemas citados acima parecem ofuscar essa vantagem, destruindo oportunidades e dificultando ainda mais o caminho para sairmos da crise.
As startups que podem, estão buscando fugir desse obstáculo através de acordos de cooperação ou até mesmo pela abertura de subsidiárias e canais de distribuição no exterior. Mas isso é, obviamente, privilégio de poucos. Alguns passos importantes precisam ser tomados com urgência para permitir aos nossos empreendedores ocupar o lugar de destaque que merecem na economia nacional e mundial.
Primeiramente, é preciso incrementar as formas de cooperação entre governo e iniciativa privada. Muito ainda pode e deve ser feito para que as empresas se sintam mais estimuladas a investir em novos projetos que, se bem administrados, poderão garantir a sobrevivência do próprio negócio. Uma boa receita ainda parece ser prover incentivos financeiros às empresas que invistam em startups. Não apenas incentivos fiscais, mas também empréstimos subsidiados e programas de compartilhamento de conhecimento, para citar apenas alguns exemplos. Obviamente já existem várias iniciativas nesse sentido, mas elas precisam ser ampliadas dramaticamente. No caso de muitas das linhas de crédito já existentes é preciso que saiam – efetivamente – do papel; ou seja, o dinheiro prometido precisa ser investido. Muitas vezes, os requisitos colocados diante das startups que se aventuram a buscar essas linhas de financiamento não são compatíveis com o próprio estágio – embrionário, na maior parte das vezes – do negócio.
De outro lado, é preciso melhorar o ambiente regulatório em que atuam essas startups. Não faz sentido que tenham que ter a sua energia drenada por entraves burocráticos que começam desde o processo para criação da pessoa jurídica (somos um dos países em que mais se demora e mais se custa para abrir uma empresa), e que só parecem piorar ao longo da sua existência, em função da insegurança jurídica muitas vezes trazida com bizarras decisões do poder judiciário, dentre elas, aquelas tomadas diariamente pela Justiça do Trabalho, em que não se reconhece a separação patrimonial entre os bens pessoais do empresário e aqueles legitimamente alocados para o empreendimento. Não me refiro aqui, obviamente, às situações de fraude, mas àquelas tantas outras em que os juízes simplesmente ignoram a existência desses limites, tornando o ato de empreender ainda mais arriscado. A separação patrimonial, aliás, foi concebida desde a criação do nosso sistema jurídico e em cima dessa premissa, é preciso criar incentivos para que as pessoas empreendam. Se elas sentirem que para se arriscar num novo negócio será preciso correr o risco de perder tudo o que angariaram durante a vida, esse risco se revelará na maior parte das vezes, grande demais.
Assim, é cruel demais constatar que até mesmo o Poder Judiciário, responsável por dar vida às leis, tem se posicionado de maneira tão regressista ao permitir uma utilização abusiva de um instituto que, de exceção, passou a ser regra sem a devida observância, seja aos trâmites legais (direito de defesa, através do devido processo legal), seja aos requisitos para sua concessão (apenas após decisão definitiva que reconheça a existência de fraude).
Um marco regulatório que se mostrasse amigável às iniciativas de equity crowdfunding que começam, timidamente, a surgir no país seria outra contribuição importante dos nossos governantes. Como já citei em outra ocasião, é preciso que as leis que vierem a disciplinar essa atividade sejam dotadas da necessária flexibilidade, a fim de não engessar essa que poderá se tornar uma poderosa ferramenta de acesso ao capital para novos empreendimentos.
Por fim, muito ajudaria também se a iniciativa privada passasse a dialogar de maneira mais direta e frequente com o mundo do empreendedorismo. Novamente, nesse ponto, deve-se destacar a existência de honrosas exceções, mas é preciso que a cultura se espalhe, não só no mundo das grandes empresas, mas também das médias. A joint-venture entre Redpoint eventures e Banco Itaú, para criação de um grande centro de coworking em SP, o Cubo, é um excepcional exemplo de como a iniciativa privada pode contribuir para desenvolver a cultura empreendedora no Brasil. Também as empresas que hoje patrocinam aceleradoras vêm se convertendo em importante recurso para o desenvolvimento do empreendedorismo no país. Muitas vezes é mais importante para uma startup ter a oportunidade de dialogar com uma grande empresa e mostrar-lhe o seu produto do que o aporte de capital de um investidor. Algumas empresas parecem estar se dando conta (e se beneficiando) dessa realidade.
Também as universidades poderiam contribuir muito para um ambiente mais amigável ao empreendedorismo. Falta ainda, um foco maior nas disciplinas que poderiam ajudar os jovens estudantes a desenvolver uma mentalidade mais empreendedora em suas vidas profissionais. Empreender ainda é a exceção e as escolas não ensinam tudo o que poderiam para ajudá-los não só a se preparar para esse desafio, mas também (e talvez isso seja o mais importante) se interessar por esse caminho.
Como se vê, o caminho para quem quer empreender é tortuoso, mas há iniciativas acontecendo que podem atenuar as dificuldades pelo caminho. E as medidas que poderão ser tomadas pelas autoridades poderão tornar ainda maiores as chances de que, como nas nações mais desenvolvidas, o crescimento das startups possa decolar e ocupar lugar de destaque na economia nacional, atraindo cada vez mais o interesse dos investidores em busca de maiores taxas de retorno.
José Ricardo de Bastos Martins é advogado, sócio coordenador da área de M&A do Peixoto & Cury Advogados e presidente do Comitê de Empreendedorismo da ABRADi.