O uso de NFTs na indústria de games foi tema de debate no BIG Festival 2022. Durante a feira, Mark Venturelli, CEO da Rogue Snail e diretor criativo do jogo mobile Relic Hunters, palestrou sobre os problemas e ameaças oferecidas pelo chamado “blockchain gaming”, defendendo que é o “inimigo do mercado de games”.
Após o evento, o CEO compartilhou novamente sua opinião no Twitter. “O BIG é o maior evento que temos na comunidade brasileira. São um recurso nosso, e não o inimigo. O inimigo é o ‘blockchain gaming’, que tenta comprar relevância e infiltrar nossa indústria”.
Essa não é a primeira vez que um nome de peso do setor crítica os tokens não fungíveis dentro dos jogos, mas será que eles realmente são um problema? O Startupi conversou com especialistas para entender a opinião do mercado.
O primeiro uso de NFTs relacionados a games foi em jogos de cartas cripto-colecionáveis em 2016. Posteriormente, os tokens se popularizaram e hoje são usados para representar ativos no jogo. Então, enquanto os outros segmentos ainda tentam entender as funções de uma NFT e porque comprar algo que não terá fisicamente, esse assunto não é novidade para os interessados em jogos no computador e em consoles. A compra apenas para o universo virtual de armas, figurinos (skins) e passes para novas batalhas, é algo comum no dia a dia de um jogador.
Skins, armas e passes vendidos como NFT
Para Wanderley Abreu Junior, criador da MatchBet, plataforma de gamers, o uso das NFTs dentro de jogos surgiu para desmistificar a compra e venda de utensílios. Antes, o jogador podia comprar uma skin dentro da loja do jogo, por exemplo, mas a forma de compartilhamento, venda ou troca não era padronizada. Alguns games permitiam a revenda do item e outros não.
Além da venda de objetos virtuais, por volta de 2008 até 2012, os jogadores que tinham níveis profissionais e skins exclusivas em determinados jogos, perceberam que podiam lucrar vendendo suas contas, mas isso não era permitido. Quando descobertos, tinham suas contas banidas.
Agora, com a inclusão das NFTs, o jogador tem posse dos objetos virtuais que compra e pode fazer o que quiser com eles, assim como pode tornar sua conta uma NFT e futuramente vendê-la. Os itens (ativos) ficam armazenados dentro da carteira virtual, onde apenas o player tem acesso, e é possível vendê-los por criptomoedas, que depois podem ser trocadas por dinheiro físico.
“Quando a Ethereum começou a ser comercializada, logo depois vieram os NFTs poderosos. Vários jogos como Free Fire e Fifa começaram a comercializar skins por NFTs, mas deram uma parada por causa do alto custo da criptomoeda na transação. É preciso agora equilibrar essa moeda atrelada às NFTs, para depois começar a ser usada em larga escala pelos jogos”, explica Abreu.
Santiago Gonzalez, CEO da Prota Games, tem uma opinião parecida sobre o futuro das NFTs em games. “Isso será o futuro a partir do momento em que a tecnologia ficar mais acessível a usuários leigos e integrável em multiplataformas. O objetivo é chegar na mesma experiência e qualidade de produto que os jogos da indústria de games tradicionais. Jogos de alta qualidade, com foco em diversão, só que um camada de tecnologia incremental, que deixa a experiência ainda maior para o usuário tradicional”.
Jogos play-to-earn
Wanderley Abreu não tem o mesmo otimismo quando o assunto são jogos “play-to-earn” (jogue para ganhar). Ao longo das fases os gamers podem conquistar novas NFTs e futuramente vendê-las na blockchain, mas segundo Wanderley, essa é a única funcionalidade do jogo.
“Vou ser sincero, não acredito muito nesse negócio. Você tem um jogo específico e ele tem uma função só, você aperta até ganhar algo específico dentro dele. É algo especulativo, mas a partir do momento que o jogador vence e ganha a sua NFT, o jogo para de funcionar”, afirma. O especialista também diz que nem sempre o jogo traz um lucro para o jogador, uma vez que não é certeza que terá alguém interessado em comprar a NFT ganhada. “Não sei se faz muito sentido, a não ser que a NFT seja de um artista relevante, então geraria um interesse da compra de terceiros”, complementa.
Para além dos jogos play-to-earn, o mercado acredita que as NFTs são o futuro dos games. “É um movimento sem volta. Os gamers formam o público da maior indústria de entretenimento do mundo e movimentam bilhões de dólares por ano comprando itens digitais em jogos, ou seja, o hábito de consumo já existe, só estamos trazendo uma nova infraestrutura/tecnologia para que eles sejam empoderados e possam se relacionar com jogos de uma forma ainda melhor”, afirma João Borges, cofundador da BAYZ.
O cofundador acredita que alguns gêneros específicos vão moldar boa parte do futuro dessa indústria como os jogos MMORPG (jogos online com muitos jogadores) e títulos com potencial para desenvolvimento do ecossistema de Esports. No entanto, para falar do futuro dos jogos NFT, é preciso falar da evolução do cenário Web3 e de suas possibilidades, entre elas o próprio NFT Gaming, melhores experiências, menos fricção no onboarding de novos usuários, ações no metaverso e mais.
“É importante destacar que a população busca, cada vez mais, conhecimento sobre investimentos e educação financeira, questão cultural que deve favorecer a adesão desse tipo de jogo. O que podemos dizer hoje é que, considerando a força de crescimento dos jogos mobile, com o movimento de grandes empresas para essa área, teremos um mercado com uma alta variedade de jogos e possibilidades nos próximos anos”, completa Borges.
Investimentos em jogos com NFT
Além de vender seus itens comprados dentro dos jogos e participar de jogos play-to-earn, o novo formato de investimento no mundo dos games são os torneios, como acontece na MatchBet. O torneio que acontecerá na CCXP no segundo semestre de 2022 tem um prêmio de R$ 1 milhão e para participar o jogador deve ter um NFT específico, como se fosse um convite.
O token não fungível pode ser comprado ou pode ser conquistado através de outras partidas, até ser ranqueado em uma posição que permita conquistá-lo. Então, aqueles que não são bons jogadores podem participar através do investimento em um segundo player. “É como se fosse um patrocinador, depois o prêmio é dividido. Nesse caso específico, mais pessoas podem ter os direitos sobre esse NFT e quando o prêmio for repassado, o sistema divide automaticamente para os donos, assim ninguém passa a perna em ninguém”, explica o criador da empresa.
Existem outras formas de investimento em jogos NFT e Wanderley Abreu lembra que para investir, é fundamental procurar algo sólido, como qualquer outro mercado de criptoativos. “Existe muito esquema e fraude, é preciso tomar cuidado com promessas maravilhosas e lucro de 200 mil por cento em cima do negócio. Procure saber no que está investindo, se há empresa por trás, não vá apenas pelo que estão vendendo. Saiba por onde começar, onde e quanto investir”.
Para os criadores de games, o investimento é mais certeiro. Basta elaborar um NFT dentro de seu jogo. Toda vez que esse ativo for vendido para uma nova pessoa, ele receberá uma porcentagem pela venda.
Existem leis para NFT?
Em abril, o Plenário do Senado aprovou a regulamentação do mercado nacional de criptomoedas, porém o PL 4.401/2021 não incluiu os tokens não fungíveis. “No que se refere à NFT, que é uma espécie de certidão digital de um serviço, essa matéria poderá ser, sim, regulada pelo Executivo em ato posterior à aprovação”, diz Irajá, relator do PL.
Recentemente, o Procon se manifestou em relação a dúvidas sobre a compra de NFTs. Para o órgão, NFTs de empresas brasileiras podem ser devolvidas em até sete dias, como diz o Código do Consumidor, se o produto ou serviço for adquirido fora do estabelecimento virtual.
Segundo Bruno Feigelson, advogado especialista em direito 4.0, a lei para NFTs ainda é abstrata no Brasil. Será necessário a construção de leis para cada setor que envolva tokens não fungíveis, uma vez que NFTs em games são diferentes de marcas vendendo seus próprios ativos.