Monnaliza Medeiros acaba de completar seus 24 anos. A natalense, que desde sempre foi “inquieta, com personalidade forte”, como ela mesma diz, é hoje referência de liderança entre as comunidades empreendedoras do Brasil. Hoje, ela é head do maior portfólio de startups da América Latina, e sua trajetória até aqui começou muito mais cedo do que a maioria dos empreendedores.
Aos oito anos de idade, Monna – como é chamada por amigos e colegas de equipe -, empreendeu pela primeira vez: anualmente, a Paróquia Santa Clara, do bairro de Pitimbú, na capital potiguar, realiza um evento beneficente para arrecadar recursos para a igreja. Voluntários de toda a comunidade se reúnem para vender seus produtos e ajudarem a instituição. Com muita insistência, Monnaliza particiou de uma dessas festas e, em dois dias, conseguiu vender todo o estoque que preparou para 15 dias de evento. “Eu pensei ‘caraca, eu fiz um negócio!’ Aquilo me contagiou de um jeito que eu não esperava”, conta.
O sangue empreendedor vem de família mas, na maioria das vezes, por necessidade. “Meus pais vieram de origens bem humildes, do sertão da Paraíba. Aquele sertão da fome e da seca. Então, sempre me passaram esse senso de trabalho, de conquistar as coisas pelo meu esforço e batalhar pelo que é meu”, diz.
Para conquistar independência financeira e sustentarem seus lares, os familiares dela empreenderam em setores tradicionais, como mercadinhos de bairro. “Grande parte da minha família não foi alfabetizada, não sabia gerenciar o negócio e, por isso, acabaram falindo”, explica. Ainda assim, a experiência de saber como tudo aquilo funcionava a fascinava. Nas férias, durante a infância, Monna passava as férias escolares com uma tia, na região norte de Natal, e ajudava no comércio da família. “Eu queria ver como ela negociava, como funcionava o fluxo e a logística do negócio.”
Quebrando seu primeiro negócio
Embora a família sempre tenha tido como prioridade os estudos dela, às vezes ela ganhava alguma “comissão” por suas ajudas nos negócios da família. Aos 11 anos, ela juntou todo o dinheiro que tinha e começou seu próprio negócio: vender maquiagens na escola. “Levei calote de quase todas as minhas amigas!”. Aí, perdendo todo o investimento que demorou meses para conquistar, Monnaliza entendeu a necessidade de se preparar para esse mercado. Afinal, empreender nunca fica mais fácil, é o empreendedor que fica mais experiente.
Monnaliza conta que, desde sempre, seu sonho era empreender, se tornar uma grande executiva de negócios. E para se preparar para isso, cursou o ensino médio técnico em administração no Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Ali, Monna conheceu finalmente o ecossistema de startups. “No Instituto tinha uma incubadora de empresas, e eu realizei várias dezenas de programas dentro da instituição”, conta.
Dentre essas atividades foi sua primeira startup, que foi pré-incubada e participou de uma competição em Harvard. “Para qualquer competição em que eu podia submeter minha startup, eu submetia”, diz.
Jerimum Valley
Mais pra frente, já no final de 2015, foi que Monna conheceu a comunidade Jerimum Valley, maior comunidade empreendedora de startups do Rio Grande do Norte. Na época a comunidade ainda era incipiente, e a grande preocupação era realizar atividades para engajar os empreendedores e fazer com que os investimentos chegassem à região. Em 2016, outro desafio: grandes empreendedores, líderes do ecossistema do estado, migraram suas empresas para outras regiões, deixando a Jerimum Valley “órfã” de líderes.
Para Monnaliza, essa foi a oportunidade de se destacar. Com poucos membros da comunidade e alguns casos de machismo, ela decidiu pegar para ela a missão de transformar a experiência daquele grupo de empreendedores. “Eu usava o preconceito das outras pessoas como um ‘escudo’, porque eu era pobre, quase uma criança, mulher… Eles já esperavam pouco de mim, então eu colocava a cara a tapa. Se meu plano não desse certo, eu não tinha nada a perder.”
Quando Monnaliza “tomou para si”, em conjunto com alguns membros da comunidade, a responsabilidade de transformar aquele ecossistema, eram cerca de 70 pessoas. Quando se mudou para São Paulo, já eram mais de 900 empreendedores conectados à Jerimum Valley.
Educação formal versus empreendedorismo
Embora se defina como uma excelente aluna, Monnaliza garante: “o ensino tradicional brasileiro não está preparado para as pessoas que empreendem.” E sua experiência com a graduação é a prova disso.
Ela estudou três semestres de Tecnologia da Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ao perceber que o curso não atendia às suas expectativas, ela trancou o curso e migrou para Administração, na mesma universidade. Mas a experiência não foi a que esperava. “Em 2019, eu estava representando meu Estado na Campus Party de São Paulo, e era responsável por uma delegação de 20 empresários e mais 50 participantes para a cidade, além de uma palestra que eu daria no evento.”
Por não poder estar presencialmente na universidade na semana de início das aulas, ela perdeu a matrícula. “Foi aí que eu decidi migrar para o curso semipresencial, também de Administração. Foi ideal para mim, porque eu preciso dessa flexibilidade”, explica.
Ainda assim, o que ela tem aprendido na faculdade, ela garante que sua vivência no mundo dos negócios já a ensinou, e por isso entende que o ensino formal precisa se adequar às novas realidades do mercado de trabalho e dos profissionais que nele atuam nos dias de hoje.
Além de conhecimento, Monna também adquiriu muito reconhecimento: ela já recebeu 19 prêmios por sua trajetória no ecossistema empreendedor, e foi por três vezes finalista do Startup Awards, premiação anual da Associação Brasileira de Startups. Além disso, já foram mais de 150 palestras ministradas e 200 eventos organizados.
Em 2020, Monnaliza se tornou parte da Bossanova Investimentos, a venture capital mais ativa da América Latina, com mais de 1.000 startups no portfólio. Ela começou no time de João Kepler e cia como Community Manager, e hoje é Head de Mercado e Portfólio. “Se me perguntassem há cinco anos, eu não imaginaria nunca trabalhar em um fundo de investimento”, diz.
E seu atual cargo, para ela, é uma chance de conectar seu legado com seu propósito. “Eu via esse mercado como algo muito distante da minha realidade, para pessoas com muito privilégio de acesso, de recursos… Com a Bossa, com essa proposta de democratização, para falar com gente de todo o Brasil, especialmente do Norte e Nordeste, e dando acesso desde a base para pessoas que estão se desenvolvendo, pra mim é incrível. É um privilégio ter acesso a um mercado extremamente elitizado, e tenho oportunidade de compartilhar com outras pessoas que não tiveram essa mesma oportunidade. É sinônimo de conquista.”
Raízes
Um dos objetivos de Monnaliza é ajudar a construir um ecossistema empreendedor ainda mais maduro no seu estado natal, e ela exemplifica as diferenças que ainda são grandes entre os ecossistemas do Sudeste com os do Nordeste. “Em Natal – no Nordeste como um todo – a jornada da startup é muito mais esticada. Hoje há mais acesso a conhecimento, mas até pouco tempo não era tão disseminado, e acesso à capital ainda é um problema recorrente em todos os estágios de maturidade das empresas”, afirma.
Além disso, o acesso a profissionais também é diferente nas regiões Norte e Nordeste. “É preciso capacitar toda a base dos profissionais nesses lugares. Aqui em São Paulo, não é raro encontrar profissionais que já passaram por outras startups, o que não é o caso do nordeste. É mais difícil ter acesso a pessoas e ao mercado, porque todos os clientes estão no Sul e Sudeste. Por isso, os empreendedores demoram mais para atingir um certo nível de maturidade. É outro ritmo, são outros acessos”, conta.
Para o futuro, Monnaliza ainda sonha em empreender e ter sucesso com seu próprio negócio. Por enquanto, ela acredita que ainda esteja em uma fase de aprendizado e construção de legado. “ Por enquanto eu quero ver quão longe eu consigo ir.”
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