* Por Miguel Claudio da Silva
Segundo um estudo publicado pela comissão SDG – Sustainable Development Goals – da Unesco, os investimentos globais em P&D alcançaram a marca de US$ 1,7 trilhões anuais, sendo que somente 10 países contribuem com 80% desse valor. Diante desse contexto, cabe o questionamento, esse valor é um valor grande ou modesto? A resposta para esse questionamento depende do ponto de vista a ser avaliado, mas com certeza podemos afirmar que os valores não são modestos frente aos grandes avanços tecnológicos atuais.
É consenso que os investimentos em P&D são extremamente benéficos para as empresas como também para as universidades, uma vez que cada dólar investido possui um potencial de retorno entre 10 e 1000 vezes, sendo que em alguns casos supera até mesmo essa proporção. Entretanto, em momentos onde os cenários econômicos locais e globais não são favoráveis aos grandes investimentos, as quantias aplicadas na área de P&D tendem a ser reduzidas ou até mesmo congeladas, uma vez que os resultados alcançados são incertos e não imediatos.
Diante desse contexto, uma pergunta desponta como objeto de discussão: como direcionar recursos de maneira inteligente e efetiva em P&D, visando alcançar objetivos concretos e palatáveis? Muitas respostas são possíveis para essa pergunta, porém, a mais interessante atualmente seria: por meio da Inteligência Tecnológica.
Mas o que é inteligência tecnológica? A inteligência tecnológica é o estudo analítico das ondas tecnológicas, de modo a interpretar tais ondas como também antever possíveis mudanças tecnológicas e também identificar lacunas que possam ser exploradas.
E o que são ondas tecnológicas? Ondas tecnológicas são as tendências modais desenvolvidas em cada campo tecnológico. Por exemplo, se analisarmos o ano de 2020, a grande onda tecnológica está relacionada ao desenvolvimento de tratamentos e vacinas para combater e prevenir o covid-19.
Por se tratar de um estudo analítico, a inteligência tecnológica toma como ponto de partida a análise de documentos de patentes publicados, sendo que tais documentos de patentes são analisados individualmente e estatisticamente, visando a identificação das ondas tecnológicas de interesse.
Em um mesmo exemplo, agora restrito ao campo técnico dos veículos automobilísticos, o ano de 2020 apresenta como onda tecnológica o desenvolvimento de sistemas auxiliares automatizados para direção de veículos, tendo como tendência os sistemas para utilização em veículos autônomos.
A utilização dos documentos de patentes publicados como base estatística da inteligência tecnológica permite não somente identificar as ondas tecnológicas atuais mas também antever possíveis novas ondas tecnológicas a partir dos desenvolvimentos já existentes.
Tal fato é possível porque além de apresentar novos desenvolvimentos, os documentos de patentes também especificam quais os objetivos e resultados práticos que esses desenvolvimentos alcançam frente as soluções já conhecidas para um problema técnico, bem como as suas vantagens. Desta forma, se faz possível traças as curvas de tendências para cada campo técnico de forma individual e a partir delas, observar como essas curvas se movem, suas amplitudes e recorrências, de modo a identificar quais serão as próximas criações a serem desenvolvidas.
A inteligência tecnológica também permite a visualização das lacunas tecnológicas existentes em cada campo de aplicação. E isso também é decorrente da utilização dos documentos de patentes como base de dados, uma vez que tais documentos, em suma, são memoriais de resolução de problemas técnicos. Entretanto, a resolução de um problema técnico não esgota as possibilidades de soluções existentes, muito pelo contrário, elas tendem a criar novos problemas a serem solucionados e são esses novos problemas que chamamos de lacunas tecnológicas.
Se pensarmos em um exemplo, onde a invenção da roda estivesse protegida por um documento de patente, poderemos entender melhor o conceito das lacunas tecnológicas. Imagine que um documento de patente preveja a invenção da roda e um técnico no assunto, a partir desse documento pensasse em como unir duas rodas em um novo conjunto.
Esse técnico no assunto poderia, então, desenvolver o eixo de roda a partir da lacuna tecnológica existente no documento de patente anteriormente apresentado. Um outro técnico no assunto poderia identificar um outro problema a partir da criação do eixo de roda, que poderia ser um meio propulsor para movimentar tal sistema e dessa forma desenvolver um motor.
Outro técnico, poderia analisar a criação do motor e desenvolver um sistema para auxiliar na frenagem do sistema propulsionado e dessa forma desenvolver um sistema de freios. Note que se trata de um ciclo de infinitas possibilidades, ou seja, a cada criação e invenção nova, um técnico no assunto poderia identificar a lacuna tecnológica existente e desenvolver outras criações não previstas ou conhecidas.
Dessa forma, a inteligência tecnológica constitui uma importante ferramenta para racionalizar os investimentos em P&D de qualquer tipo de empresa, seja qual for o seu campo técnico de atuação, permitindo uma economia substancial de recursos no desenvolvimento de novas tecnologias, uma vez que esses desenvolvimentos serão guiados pelas informações mais importantes do ponto de vista tecnológico, tudo isso, antes mesmo de tais criações e invenções, apresentadas nos documentos de patentes, chegarem efetivamente ao mercado e aos consumidores finais.
Miguel Claudio da Silva é engenheiro mecânico, formado na Universidade de Mogi das Cruzes, especialista em Patentes, Monitoramento Estratégico e Inteligência Tecnológica no VilelaCoelho Advogados; atua na área desde 2015.