* Por Hilton Menezes
Quem viveu 2020 pôde sentir o gosto amargo de uma crise global intensa e que trouxe ainda mais à tona a urgência em adotarmos medidas e investimentos para gerar impactos positivos à sociedade e ao meio ambiente. Nunca se falou tanto em crise climática agravada pelos desmatamentos, queimadas, biomas ameaçados, enfim, situações que foram frequentemente noticiadas com grande destaque na mídia mundial.
Desde a Eco 92, o Brasil vem desenhando seu papel – e talvez tenha faltado protagonismo – na condução de medidas e políticas em favor da preservação da nossa biodiversidade, a maior do mundo. Estamos enfrentando um colapso climático e, aqui no Brasil de 2020, sentindo na pele a pressão internacional por condutas mais sérias e realmente comprometidas com a preservação do meio ambiente. Agora, mais do que nunca, corremos todos os riscos de perder investimentos e apoio financeiro determinante para os novos ciclos de inovação que demandam soluções não somente sustentáveis, mas sim regenerativas.
Acredito que a base da inovação para se criar soluções com impacto positivo na sociedade além do design centrado no ser humano, é o design com uma percepção mais sistêmica. Parafraseando a Profa. Vilma Vilarinho, “ao se compreender que economia, política, religião, seres vivos, sociedade, cidades, fauna, flora, clima, trânsito, empresas etc. se organizam como sistemas não é mais possível uma postura investigativa ou projetual que trabalhe a partir do isolamento de qualquer um desses”.
De fato, o ecossistema da Terra já nos mostra que a força de uma tecnologia baseada nos princípios da Natureza pode trazer tranquilidade e harmonia a uma sociedade. Se observarmos a natureza e tentarmos entender os princípios e processos do design em objetos naturais e aplicá-los na concepção de produtos industriais, isso pode levar a uma evolução de uma tecnologia que se integra em nossa vida diária.
É preciso ampliar a visão para o design centrado na natureza. O que vemos há muitos anos se arrastando em iniciativas ainda incipientes, ou ainda o rol de empresas que nem sequer adotaram políticas mínimas de ASG (Ambiental, Social e Governança) nos faz um grande alerta sobre o que estamos de fato considerando e avançando na causa socioambiental? Já não é mais possível negar que esta, quando verdadeiramente levada em consideração como se deve, permite que a sociedade como um todo avance. E é também a partir do design, centrado na natureza e no ser humano, que os novos ciclos de inovação irão acontecer.
As grandes instituições têm interesse na rentabilidade das empresas das quais são acionistas e por isso os investidores passaram a aumentar a cobrança pela adoção e divulgação de práticas de negócios baseadas em ASG, já que a falta de compromisso ambiental tem sido vista como um risco crescente para a sustentabilidade do sistema financeiro global. Empresas e investidores mais atentos já perceberam que a sobrevivência de seus negócios depende da continuidade da espécie humana, fortemente ameaçada pela crise climática iminente.
Resta sabermos agora o que realmente será feito para garantir as mudanças necessárias para combatermos a crise generalizada e amplificada pelo colapso do meio ambiente. Recente artigo do advogado Luiz Antônio de Sampaio Campos faz uma análise sobre a evidente relevância das questões de ASG em todo o mundo.
No recorte brasileiro, o artigo pondera que a lei das SA já resguarda que acionista controlador e administrador têm amplo espaço para perseguir estes temas – função social da empresa, interesse público, respeito à comunidade onde atua e aos trabalhadores, bem como responsabilidade social…-, “conciliando os diversos interesses em jogo e buscando o equilíbrio necessário de forma a assegurar que a empresa seja também o ‘lugar de inovação e renovação’”.
O artigo desperta uma sensação de esperança de que finalmente empresas e sociedades anônimas estejam conseguindo combinar interesses de acionistas com as melhores intenções de administradores no caminho de investir em propósito para além do lucro. E tomara que estejamos num caminho de realmente interiorizar essas transformações nas organizações.
Não porque precise, mas porque elas entendem que é necessário para serem melhores. Acredito que haverá uma naturalização deste tema nos próximos anos. Que traz algo de muito positivo, da ética e transparência não serem nada mais do que a obrigação. Mas também um possível efeito colateral da banalização e esvaziamento do discurso de ASG.
Acredito que em 2021 teremos muito mais chance de ampliar esse movimento, integrando melhor as soluções e atividades corporativas às demandas da sociedade; e faremos isso por meio do design centrado no humano e na natureza, considerando sempre a integração da tríade: pessoas, planeta e propósito – para muito além da simples e não mais suficiente rentabilidade.
Hilton Menezes é fundador e CEO da Kyvo. Tem especializações em Negócios, Design e Computação. Atua com o ecossistema empreendedor coordenando programas de transformação organizacional, intraempreendedorismo e inovação aberta. É cofundador da Service Design Network Brazil e do @movimentomoara, dedicado a fomentar a inovação para a sustentabilidade e regenerabilidade na Bacia Amazônica.