* Por Bruno Cecatto
As gerações “despertas”, cada vez mais conscientes ou ativas nas redes sociais, ficam aquém quando se trata de encontrar soluções reais para os problemas.
Hoje acordei assistindo a um vídeo de uma entrevista no Twitter.
Um vídeo infame de uma estação de rádio, no qual Fabio Zuleta, o apresentador, conversa com seu convidado sobre o quanto ele teria que pagar caso quisesse comprar uma mulher na costa norte da Colômbia. O vídeo é bem difícil de assistir, é visualmente obscena em sua descrição e fala sobre uma prática que só poderia ser descrita como tráfico de pessoas.
Se você ainda não viu, aviso: é deprimente e nojento. Não espero que veja, compartilho apenas com a intenção de contextualizá-lo. Para quem já assistiu, lembrar-se desse vídeo certamente deve gerar algum sentimento ruim.
Passei a manhã inteira pensando por que esse vídeo me gerou tantas emoções.
Algumas eu já esperava sentir: raiva, frustração, indignação, tristeza. Outras me deixaram surpreso: senti vergonha e culpa.
Raiva e frustração são emoções óbvias, nesse caso. É revoltante que em 2020 a prática de tráfico de pessoas ainda seja comum a ponto de dois homens sentirem-se à vontade para conversar sobre isso ao vivo, em uma estação de rádio.
Na entrevista, eles também fazem distinção entre mulheres “civilizadas” do litoral norte e mulheres “não civilizadas”, dependendo do contato que tiveram com a cidade ou outras áreas urbanas.
Geralmente, sou bastante cínico, mas você, Sr. Apresentador, fala de “civilização” depois de dizer: “Quero deixá-la trancada para que não seja roubada de mim”, isso é um absurdo. Não é apenas ultrajante que você pertença à baixa porcentagem de colombianos que, em teoria, é educada, é realmente assustador.
O que dizem os números
Estima-se que 2,5 milhões de mulheres no mundo sofrem com o tráfico de pessoas, principalmente para fins sexuais. Na Colômbia, desde 2013, aconteceram mais de 500 casos. Se considerarmos a naturalidade com que os homens falaram sobre o assunto, e os números nacionais e internacionais, não me surpreenderia dizer que isso acontece com mais de mil pessoas por ano em nosso país.
Esses números, embora alarmantes, pareciam impessoais para mim. Pensei: “Ok, 500 casos desde 2013, vamos colocar mil por ano, é um número alto, mas não é tão alto, talvez seja um caso isolado?” “Não, obviamente não”, respondi, “Esse é um problema muito sério e a Procuradoria Geral da República certamente tomará medidas sobre o assunto.” “Deixe todo o peso da lei recair sobre eles”, eu disse, como vários que comentavam no Twitter.
Com meus cálculos e pensamentos, percebi que os números não nos tocam de forma impactante e visceral como deveriam. Talvez essa entrevista seja o que infelizmente precisamos agir para reagir.
Ativismo leve
A conversa de Fabio Zuleta com seu convidado é sintoma de um grave problema social e cultural. “Que progresso pode ser feito com as bandeiras da igualdade de gênero e da igualdade de oportunidades, se ainda temos casos de escravidão sexual no país? Não podemos deixar isso acontecer! Temos que fazer alguma coisa!”, eu disse para mim mesmo.
Meu meu sangue esquentou, eu disse uns palavrões em voz baixa, enviei o vídeo para 20 pessoas, para meu grupo de engenheiras para que se indignassem também, expressei minha indignação no Twitter e pensei: “Como o mundo chegou a esse ponto?”
Lembrei-me das palavras de Barack Obama quando se referiu às novas gerações “despertas”, nas quais me incluo, e como elas se relacionam com a geração de mudanças.
Foi o que Obama disse: “Às vezes, tenho a impressão de que, quando estou perto de jovens (e isso é acelerado pelas mídias sociais), existe a noção de que a maneira de promover a mudança é julgar as outras pessoas o máximo possível e que isso é suficiente. Se eu “twittar’” ou digitar uma hashtag sobre como alguém fez algo errado ou usou o verbo errado, posso relaxar e me sentir bem comigo mesmo. Porque: “Você viu como eu era ativo? Eu desafiei essa pessoa…” Mas isso não é ativismo, isso não está gerando mudanças. Se tudo o que você faz é atirar pedras, provavelmente não irá muito longe.
Poucas coisas descrevem a mim e a nossa cultura supostamente “iluminada” como “despertos”. Quando, na realidade, o que somos são falsos ativistas.
Vamos começar com meu ativismo medíocre. Fiz o que suspeito que a maioria de nós faz. Eu compartilhei o tweet, mas e daí? Eu rotulo o Procurador Geral, mas e daí? As autoridades devem ser alertadas! Isso pode ser feito por qualquer pessoa. Agora, escrevendo este artigo, eu estou falando sobre esse tópico para quantas, 10 mil, 20 mil pessoas? E aí? O que acontece? O que eu fiz? O que mudou?
O que todos nós fazemos, indignados, compartilhando esta coluna que você está lendo, não é ativismo e não ajuda a resolver os problemas de nossa sociedade.
Desde que comecei a escrever esta coluna, aprendi muito sobre o poder da mídia de formar opinião, o poder da palavra. Mas também aprendi sobre suas deficiências. Aprendi que a criação de mudanças requer conversas individuais e que não há atalhos, independentemente do megafone que você possua.
Para gerar mudanças você precisa agir.
Dou-lhe um exemplo específico: meu último artigo, “A correira do futuro”, tem como objetivo convencer o máximo número de pessoas (especialmente mulheres) a estudar engenharia de sistemas, e não engenharia industrial. Na minha empresa, estabelecemos o objetivo de convencer 500 mulheres em 2020. Essa é uma maneira clara que identificamos para promover o país em questões econômicas e de igualdade de gênero. O objetivo é pequeno, sim, mas a ideia é crescer essa base.
Essa coluna foi a mais bem-vinda de tudo que escrevi, teve mais de 10 mil visitas e mais de 100 pessoas me enviaram um e-mail contando suas histórias e dizendo que gostariam que alguém lhes tivesse dado essas informação quando tinham onze anos e estavam na escola.
Você sabe o que não aconteceu? Não convencemos uma única mulher a estudar engenharia de sistemas.
Esse mesmo sentimento de indignação, ou esse novo conhecimento, é geralmente temporário. Dura o tempo necessário para clicar no próximo item de notícia ou no próximo vídeo engraçado. Não se inicia um processo de melhoria, nem individual nem da sociedade. Ao menos que, ao perceber que algo está errado, tomemos uma atitude deliberada (atenção, não um clique ou “retuite”, mas uma ação real), não seremos capazes de gerar qualquer alteração.
Seguindo o exemplo das engenheiras: como não basta escrever a matéria, decidimos ir à fonte e conversamos diretamente em dez escolas (terminaremos o ano com mais de 50). Os resultados ainda são tristes: do objetivo de 500, nem chegamos a 10. Ou por desinformação ou porque não sou persuasivo o suficiente, não sei. Mas estamos agindo e continuaremos tentando até chegarmos lá.
Diante das mulheres do alto Guajira e do tráfico de pessoas na Colômbia, confesso que não estou fazendo nada, e muito provavelmente você também não. Escrever um tweet, este artigo ou marcar o procurador-geral não vale a pena.
A ação que causa mudança
Isso vai parecer impopular e possivelmente contrario os princípios democráticos, mas votar ou chamar nossos governantes é uma ação minúscula. Obviamente, você tem que votar, mas esse é o mínimo exigido, não nos isenta nem nos dá licencia para reclamar sobre o governo. O ativismo e a mudança social de que precisamos não precisam de uma mudança nas leis, ou que “os poderes ”façam coisas por nós.
A responsabilidade de ter a sociedade que queremos pertence a cada um de nós e é medida nas ações que tomamos. A indignação não é uma ação. Doar dinheiro pode ajudar um pouco, mas, na maioria dos casos, é um bálsamo para nos fazer sentir um pouco melhor. Alterar, educar, dar um exemplo, definir uma meta e alcançá-la, como “Vou criar uma organização para relatar sobre tráfico e reduzir os números na população mais próxima a mim”, isso é ação.
Finalmente, um convite
Este último é um convite para aproveitar melhor o tempo que temos disponível devido à covid-19. Use esse tempo para fazer não apenas coisas produtivas, mas com impacto e significado para a nossa sociedade.
Você deve começar entendendo que o problema existe. O próximo passo é entender a magnitude do problema. O artigo do qual tirei os números é de 2018, valeria a pena aprofundar. Mas pronto, vamos para o próximo passo. Vamos definir um objetivo e atividades para alcançá-lo.
Para isso, é necessária a ajuda de todos. Este ano, aprendi a responsabilidade que tenho com esta coluna de passar uma mensagem que valha a pena ouvir. Mas espalhar uma mensagem é insuficiente, a sociedade precisa de todos nós para que sejam feitas mudanças importantes.
Hoje é mais fácil do que nunca descobrir o que está acontecendo em nosso país e no mundo e sentir surpresa, indignação e frustração. Nós nos perguntamos “como isso é possível?” E desabafamos em uma caixa de texto. Não é suficiente. Compartilhamos isso com nosso círculo e expressamos nosso desacordo com as autoridades. Não basta: a sociedade que queremos exige que todos nós façamos as mudanças que queremos ver no mundo. E você, o que fará hoje para deixar o mundo um pouco melhor?
Bruno Cecatto é empreendedor e cofundador Brasil da Truora. Passou por empresas como Uber e Nibo – todas em estágio embrionário de desenvolvimento.