Tecnologistas, empreendedores e investidores que passam um tempinho no Vale do Silício existem em quantidade. Que se tornam queridinhos do Paul Bragiel e são convocados a retornar e passar mais tempo só conheço um. Eu assisti da primeira fila (do júri) ele fazendo o pitch da sua nova startup MoreCerto (conheça aqui), em Blumenau. Rapidamente percebi que ele ou apenas “se acreditava” demais (na forma entusiasmada do Culto do Silício) ou realmente tinha conseguido se libertar do karma brasileiro e fazer a metamorfose – sem parecer um sacoleiro trazendo espelhinhos.
O sinal mais claro de que não seria tempo perdido eu tomar “um chopes” e comer “dois pastel” com ele foi quando ele assumiu nunca ter ouvido falar sobre o Startup Farm (um dos prêmios do concurso). Minutos depois, estávamos num boteco da hypíssima Vila Germânica com os outros co-fundadores da MoreCerto e, desde então, fizemos o storybuilding que você confere abaixo.
Com vocês, o auto-aclamado “crazy/funny mobile developer” Victor Gomes de Oliveira, que nasceu na “Capital da Tecnologia” São Carlos/SP há 22 anos, mora numa república em Florianópolis/SC, daqui a 2 semestres vai se formar em Engenharia de Controle e Automação na UFSC e já tem capital semente o aguardando no Vale do Silício.
Confira em outra matéria sobre o Desafio de Startups na Feira do Empreendedor de Santa Catarina e sobre a startup vencedora, MoreCerto.
O que você fazia antes de ir para o Vale do Silício?
Antes da viagem, em 2010, eu tinha acabado de terminar meu segundo estágio na área de serviços web e estava abrindo uma empresa de software na área médica com o meu atual sócio e co-fundador da MoreCerto, Gustavo Zomer. Chegamos a fazer uns pivots, mas não era a hora certa no mercado, então não demos continuidade.
Por que você foi para o Vale do Silício?
Eu tive a oportunidade de conhecer, pela internet, uma figura raríssima, que acabou virando meu chefe e tutor, chamado Paul Bragiel, fundador e CEO da I/O Ventures (aceleradora de startups que tem em seu leque de parceiros e freqüentadores os fundadores do YouTube, MySpace, BitTorrent, Yelp, TechCrunch e outros). Depois de trocar muitos emails, conversando sobre software, contando sobre o que eu fazia por aqui e tentando entender como eram as coisas por lá, ele me convidou a ir fazer um estágio de verão em São Francisco, com o intuito de criar um aplicativo de iPad com o seu irmão, Dan, e conhecer como funcionavam as coisas no Vale do Silício.
O que você fez no Vale do Silício? O que você aprendeu lá? Ficou impressionado com alguma coisa?
Depois de aprender a programar para iPads e iPhones, em quase 10 dias, termineio meu protótipo do aplicativo no avião e cheguei em São Francisco. Eu passava as semanas tendo brainstorms intensos com Dan, seguidos de longas sessões de programação, conhecendo a equipe, alguns investidores e amigos de quem acabou se tornando minha família por lá, os irmãos Bragiel.
Nos finais de semana costumava ir, com os Bragiel, para festas do circuito do software e algumas Hackathons, eventos para poucas pessoas, de programação e brainstorm, com muita comida e bebidas. No final da minha estadia conheci um grande amigo do Paul, Travis Kalanick, que tinha acabado de se tornar CEO de um pequeno startup, de 9 pessoas, chamado Uber, que, em menos de um ano, se tornaria um negócio de 300 milhões de dólares. Travis me contou, com muita emoção, do que se tratava a sua visão, seu produto, e como o mundo nunca mais seria o mesmo depois de suas idéias (a Uber é uma empresa de transportes que conecta pessoas que precisam de transporte e carros comerciais. Motoristas de táxis e carros de luxo circulam pelas cidades com iPhones, esperando requisições de clientes, que podem o usar o serviço a qualquer momento, com muita praticidade).
No final da conversa eu comentei que estava voltando para o Brasil em uma semana e ele me convidou para conhecer sua empresa no dia seguinte. No outro dia, chegando à sede da Uber, no centro de São Francisco, encontrei Travis em um grande cômodo, no qual muitos startups dividiam espaço e internet, e ele, animadíssimo como sempre, não parava de contar as milhares de features interessantes que estavam desenvolvendo e que planejavam implementar. Nesse momento, ele também me disse que precisavam de programadores e que adoraria se eu fizesse um teste para provar minha capacidade.
O desafio consistia em programar um sistema que lida com requisições HTTP, em uma linguagem que eu não conhecia! Depois do desafio (que nem deu tão certo assim), ele propôs que eu começasse a trabalhar à distancia enquanto seus advogados tirariam um visto para que eu pudesse voltar à Califórnia e me juntar à Uber . Depois de 2 meses de trabalho, à distancia, no Brasil, voltei a São Francisco, onde fiquei mais 9 meses imerso nesse ambiente geek, hipster e startup. O segundo escritório da Uber que freqüentei era na rua principal de São Francisco, chamada Market, e ficava logo em frente ao Ferry Building. Eu passava a maioria das noites na empresa. Todo mundo ficava lá, toda noite. A geladeira era cheia uma vez por semana com muita comida, cerveja e qualquer coisa que estivesse escrita na lista “Coisas de Geladeira”.
O serviço da empresa era de graça para os funcionários; podíamos chamar Lincolns para nos buscar e testar o serviço, ou apenas para voltar bêbado pra casa a qualquer momento, sem limites. Ficávamos tomando café, energéticos, às vezes tocando músicas, jogando jogos, comendo, bebendo e, na maioria das vezes, plugados no PC até umas 4am, quando o sono nos convencia a pegar um Uber para casa.
Acredito que parte do espírito do startup vem de uma obsessão pelo produto e pela capacidade de “disrupt” o mundo, algo que nos demonstram Jobs (da Apple), Zuckerberg (do Facebook) e outros. Expectativas altíssimas para o que você será daqui a 5 anos e capacidade de se dedicar a elas de maneira tão intensa, criando inovação em velocidades sem precedentes. No Brasil, encontro empreendedores que têm capacidade de se tornarem grandes empresários, mas a maioria ainda tem medo de se arriscar e se envolver realmente com isso.
No Vale do Silício, o incentivo para que as pessoas se tornem empreendedores é altíssimo. O ambiente de desenvolvimento de software, do lado financeiro até o social, é muito mais acolhedor do que no Brasil. Os programadores que conheci nos EUA seguiam um estilo único: extremamente seguros, vestidos com estampas da moda e com óculos grossos e rústicos. Sabem que são eles que fazem funcionar a máquina de um dos setores econômicos mais promissores do mundo e, cercado de exemplos de sucesso, seu caminho profissional é muito menos arriscado e assustador do que os de seus possíveis concorrentes brasileiros.
Outro fator marcante é a especulação no Vale do Silício, bem maior que a brasileira. Todos têm interesse em conhecer as novas empresas, empreendedores e ideias. Você diz que esta abrindo uma empresa e cartões de visitas enchem suas mãos! Os investidores têm menos medo; eles entendem o risco, mas também sabem que estão abocanhando um mercado nacional (que, em conseqüência, se estende internacionalmente) muito maior e mais estável que o brasileiro.
E agora, de volta ao Brasil, empreendendo, quais você percebe que são as semelhanças e as diferenças entre SV x BR para uma startup?
Eu voltei para o Brasil no começo do ano, para terminar meu curso de graduação, e sinto que os startups aqui enfrentam barreiras muito maiores que no Vale do Silício, apesar de contar com pessoas muito talentosas.
Os usuários têm medo de utilizar novos produtos e conceitos, os investidores têm medo de investir em algo que não será lucrativo a curto ou médio prazo – se todos os investidores fossem assim, o Twitter ainda seria um grupo de amigos tentando criar uma empresa – e, finalmente, os empreendedores têm medo de desperdiçar seu talento e suas expectativas em algo que ainda não é tão seguro.
Eu e outros avaliadores dos pitches em Blumenau tivemos dúvidas se dá mesmo pra escalar o diferencial da MoreCerto (as avaliações e recomendações sobre o perfil dos locais, com intenção de indicar qual é bom pro usuário). A menos que essas classificações sejam fake! Se fosse tão fácil, se desse pra se basear nisso como proposta de valor, talvez outros ja teriam conseguido, pois já é algo bem usado em outras áreas.
Eu não entendo por que as barras de importâncias, de cada usuario, nao seriam escaláveis. Mas concordo com você e com o Fernando Campos, que ressaltou que agregar um número imenso de imóveis talvez não seja tão simples e escalável quanto pensávamos, sem utilizarmos crawlers. Nós também não temos medo de dar um pivot pra outra direção, se for necessário.
Tecnologicamente parece escalável sim, mas se depender dos usuários fazerem essa qualificação, não dá pra contar com a boa vontade deles, a menos que tenha uma vantagem clara para eles fazerem isso, e daí eles vão precisar ter seu perfil pessoal no site. Mas quem iria manter um perfil se alugar e comprar imóveis é uma atividade não recorrente, que se faz pouquíssimas vezes? Se os critérios e notas forem dados por vocês, fica difícil confiar totalmente, a menos que vocês realmente estejam com equipe em cada cidade que pretendem cobrir – o que não me parece o plano. De qualquer forma, repare na proposta de valor: vocês vão ter que entregar de verdade essa coisa de o imóvel ser bom para as pessoas, e quem é que vai dizer o que é bom? Desculpa se estou me metendo ou se tem alguma parte que não entendi!
Não precisa pedir desculpa, gostei muito dos seus argumentos! Já tinha pensado sobre algum deles, mas nunca de maneira tão consciente e objetiva. inda estamos pensando sobre algumas perguntas que você colocou, testando hipóteses e aprendendo sobre os usuários (uma vibe bem lean-startup). Estamos testando algumas hipóteses de como os usuários respondem à possibilidade de sign-up e utilização das barras, mas ainda não chegamos a nenhuma conclusão super clara.
Para a avaliação dos imóveis nos calculamos a distancia entre eles e diferentes opções comercias (todas as informações vem da API Google Places), as notas de segurança vem da Secretaria de Seguranca Pública e as informações de trânsito do Google Traffic. Nós não temos trabalho quase nenhum para juntar todas essas informações, por isso que eu acredito ser escalável a avalição de imóveis.