Uma coisa é ouvir quem não entende de ecossistemas de inovação Outra coisa é ouvir quem só conhece um lado envolvido na história – ou o Vale, ou Nova York. Outra coisa é ouvir quem conhece os dois ecossistemas e também conhece o mercado no Brasil.
Michael Nicklas
Para compreender o que está por trás da enorme diferença entre a fama dessas duas regiões importantes, conversei com Michael Nicklas, que já empreendeu e investiu em Nova York desde 1995: além de ser um intra-empreendedor na área de vídeo digital na Viacom, e CTO de digital e online na Univision, também ajudou a fundar e investir em 3 startups, atendendo clientes como Amex e IBM. Há cinco anos começou a se envolver de verdade com o Brasil, a ponto de se mudar para cá.
Atual diretor na Ideiasnet, ele veio ao Brasil com o papel de anjo investidor entre 2007 e 2008 – investiu inclusive na criação do Startupi. Conhecedor de inúmeros empreendedores e investidores no Brasil, no Vale e em Nova York, o investidor comenta que a cena startup em Nova York ganhou uma espécie de apelido: Silicon Alley, que podemos traduzir como Beco do Silício, em alusão à pequena proporção que o ecossistema de startups ocupa aqui (estou em Manhattan acompanhando o TC Disrupt). Mas, isso não significa que a metrópole não seja inovadora como um todo.
“Havia um ecossistema em torno do MIT e outro em torno de Stanford, mas Nova York não teve este perfil. O principal em NY sempre foi tecnologia para negócios, não tecnologia pura – que é muito forte no Valley. É uma capital global, um centro importante com indústrias fortes, como finanças (no distrito financeiro onde fica Wall Street), mídia & propaganda (na famosa Madison Avenue), entretenimento (na Broadway). A cidade reúne muitos talentos, são indústrias intelectuais, criativas – não são trabalhos industriais como montar carros.
Todas as indústrias começaram a ser impactadas pela Internet entre 1994 e 96, mesmo que minimamente, pois todo mundo começou a ter seu site. Já havia BBS e CD-ROMs e aí gerou bastante demanda, muitas empresas como Razorfish, Doubleclick (eles que criaram uma propaganda dizendo ‘welcome to the silicon alley’). Nesta época o Fred Wilson começou a investir e a montar o ecossistema, com a gestora de venture capital Flatiron. Sobre o estouro da bolha: tinha sim muita empresa inflacionada, houve muito crescimento, empresas de infra, mas nem sempre eram de NYC. Derrubou o mercado inteiro por causa da euforia com relação a tecnologia.
Este perfil nova-iorquino de inovação em modelo de negócios apenas acelerou com a web 2.0 a partir de 2004. Há uns 2 anos que Nova York ultrapassou Boston na quantidade de venture capital investido. Com certeza não se compara ao Valley, mas é o segundo mercado. Vem Nova York e só depois vem Boston e os demais. Google abriu sede em NYC com mais de mil engenheiros, Facebook também está forte aqui, AOL ficava em Washington e mudou para NYC, vários venture capitalists também estão indo para NY. Acho que se deve um tanto à proximidade com os grandes grupos de propaganda, como Omnicom, Interpublic”.
Mike Ajnsztajn
Outro empreendedor investidor conhecedor desta região (bem como do Valley e do Brasil) com quem eu conversei foi o Mike Ajsnztajn, atualmente conhecido como co-fundador da Aceleratech em São Paulo (uma das credenciadas ao Start-Up Brasil, e que recentemente anunciou expansão para outras 4 cidades – além de ter investido no Startupi e em mais de 10 startups).
Mike teve carreira executiva na Europa, tocou negócios familiares no Brasil (que ele vendeu para um comprador estratégico), mas também chegou a fundar startup de fármacos na região de Nova York, obtendo investimento e retorno mediante venda para terceiros.
Ele também é um dos investidores que integram os grupos de anjos NY Angels e Jumpstart (assista à entrevista que fiz com a diretora Katherine O’Neill, que também dirige a Associação Nacional de Capital Anjo). Ah, ele também advisor e investidor em uma aceleradora não apenas no Brasil, mas também aqui na região: a TechLaunch.
“Fui para New Jersey durante a bolha de biotech, tive a oportunidade de abrir uma empresa para fazer um produto para tratamento de psoríase, em sociedade com um PhD da área, recebemos US$ 20 milhões. Fizemos um reverse merging com uma empresa que estava na bolsa, capitalizamos bem e acabamos vendendo a empresa. E faz 5 anos que comecei a investir na área digital. Para mim, o mundo digital é um mundo livre. Minha vida inteira tive Anvisa, FDA, algum tipo de regulamentação governamental. Já na Internet, a principal regulamentação é atender bem o consumidor! Você pode fazer tudo e de forma rápida. Aí investi na Zuppa, até que co-fundei a Aceleratech. Tenho três startups investidas na grande área de NY e New Jersey, também estou fechando mais um, numa startup de uns alemães que vieram para NY.
O mais difícil, menos atraente em NYC, é o custo do aluguel, absurdamente mais alto do que em qualquer outra das regiões como Vale do Silício. Por isso que acabou se formando o Silicon Alley, que chega a ser uma região entre as regiões do Flatiron, SoHo e TriBeca, com vários coworkings e startups que se juntam para ocupar juntos o espaço.
Em Nova York, as pessoas chegam a se encontrar em cafés trocando ideias, fazendo reuniões, mas muito menos do que no Silicon Valley. Na Union Square e no Flatiron isso acontece. Mas é uma cidade muito mais fria, muita correria, a socialização é menor, não é tanto assim que as pessoas se encontram.
Tem bastante investidores e investimento. O grupo de investidores NY Angels é super forte e gosta muito de investir em tecnologia – por exemplos, vários se reuniram e investiram no Pinterest. A região está atraindo bastante talentos. Já tem bastante gente preferindo vir para NY ao invés de ir para o Valley. Em NY, é até mais fácil você conseguir horário para agendar reuniões com outras pessoas, investidores. Não dá para comparar o tamanho do ecossistema, NY é bem menor, e de certa forma também ainda está em formação. Várias pessoas aqui da região estão se interessando por investir em startups.
Agora meus filhos estão entrando na fase de procurar universidade, e acabei olhando um pouco as coisas nesta área. Não me aprofundei em pesquisas, mas olhando assim, como opinião pessoal, me parece que as grandes universidades – e até as menores – tem um departamento de empreendedorismo e chegam a aportar US$ 20 mil para quem quer participar dos programas, que misturam um pouco de incubação e aceleração”.
Imagem de abertura: Hans S/Flickr