* Por Elber Mazaro
Olá!
Este artigo nasceu da solicitação de uma entrevista para uma matéria de um grande jornal, que procurou alguns professores para dar dicas à empreendedores que estão sendo desafiados com a falta e o aumento de preços de matérias-primas e não sabem como gerenciar esta situação com os seus clientes.
Fiz uma preparação para dar a entrevista e organizei uma linha de recomendações com base nas minhas áreas de especialidade: gestão estratégica, marketing e empreendedorismo.
No final, mesmo com mais de 40 minutos de entrevista, saiu um parágrafo atribuído a mim, na matéria final. Algo que me lembrou os tempos em que fui executivo e porta-voz muito ativo, quando era comum esta situação de muito tempo de entrevista para pouca citação na matéria publicada.
Bom, vou então aproveitar a preparação do conteúdo para a entrevista, e produzir este artigo, pois quem sabe pode gerar algum “insight” em alguém passando por uma situação semelhante.
Contextualizando:
Em vários segmentos, incluindo os de confecções e de marcenaria, várias matérias-primas, como algodão e o MDF, estão em falta ou tiveram aumentos de preço que superam 30%, tendo vários motivos para isto, desde redução de produção na pandemia, até forte exportação dos produtores, com a cotação do dólar alta.
Os empreendedores, em especial os pequenos, precisam tomar decisões, sobre repassar os aumentos para os clientes, em um mercado que ainda se recupera, e em muitas áreas, bastante competitivo.
Esta situação também afeta várias startups, por exemplo, quando pensamos em serviços e mão de obra para desenvolvimento, onde há escassez e consequente aumento de preços ou custos, no mercado.
O que pode ser feito?
Minha intenção é trazer algumas ideias e destacar áreas de atenção para o empreendedor, e não cobrir cem por cento das possibilidades ou mesmo trazer uma solução definitiva que compense ou resolva o problema para todos. Também aproveito para lembrar de áreas e procedimentos que deveriam ser constantes na gestão do empreendedor, mas que são, comumente, esquecidos.
Divido as recomendações em três áreas:
Gestão Estratégica
Nesta área, o empreendedor deveria estar atento o tempo todo, mas é muito comum definir um modo de trabalho, um modelo de negócios e se acomodar, deixando de explorar possibilidades e alternativas, até a chegada de uma crise, como a gerada pela falta ou aumento de preços de matérias primas, consequente da pandemia.
Antes de falarmos de gestão estratégica em si, eu destaco algo que é bem tático, que é a gestão do fluxo de caixa.
A má gestão do fluxo de caixa é uma das principais razões de quebra ou falência de empresas. Ocorre quando há necessidade de pagamentos serem feitos antes de recebimentos e sem alguma estratégia ou reserva para compensar ou suportar um período de fluxo negativo.
Quando o fornecedor altera os prazos, os preços e outras condições para a compra de matéria-prima, é fundamental calcular com cuidado o impacto destas mudanças no fluxo de caixa, para que este fique ou siga positivo, e se necessário e viável ajustar as condições para os clientes, com esta premissa.
Durante crises, pode ser necessário a busca de financiamento externo para que o empreendedor possa equilibrar posições de estoque e organizar o fluxo de caixa, enquanto busca a demanda no mercado.
Creio que os programas de incentivo (exemplo: PRONAMPE), tanto do governo, quanto de instituições privadas, podem e devem ser utilizados para, temporariamente, dar fôlego, com foco na recomposição do caixa, para a empresa conseguir se reorganizar e retomar suas vendas ou mesmo ir em busca de novas oportunidades e clientes.
Já falando de uma gestão estratégica e tática, o gerenciamento de custos, sempre foi apontado como uma área de oportunidade para criação de diferencial competitivo e posicionamento em mercados mais “comiditizados”.
Então, se um ou vários fornecedores aumentam os seus preços, é hora de revisar as contas, com o máximo de escrutínio, na ponta do lápis, em busca de qualquer oportunidade de otimização e redução de custos, que compense o aumento inevitável, mesmo que parcialmente ou temporariamente.
Quando o mercado muda, em função, por exemplo de uma crise, ou como neste momento de pandemia, é hora de revisar todas as premissas, e todos os elementos de custo do negócio, por exemplo aluguel, folha de pagamento, etc.; dos maiores para os menores contribuintes, buscando possibilidades de negociação e redução, mesmo que por um prazo curto.
Sei que este é um conceito bem básico, mas como já mencionei, é comum empreendedores se acostumarem com o “modus operandis”, com um “mark-up” que permite pagar as contas e ter algum lucro, e assim, serem superficiais nesta questão de custos.
Existe um ditado conhecido no mundo corporativos, que diz que: custos são como as unhas, estão sempre crescendo e precisam ser cortados regularmente.
O outro item da gestão estratégica que precisa ser administrado pelo empreendedor e que ganha relevância no contexto apresentado é a gestão da cadeia de valor.
Gerenciar o relacionamento com os fornecedores, pesquisar e desenvolver alternativas, que possam ser utilizadas em situações adversas, e desenvolver pró-ativamente um relacionamento de parceria, construtivo, com os principais fornecedores é muito importante e assim como na questão de custos, muitas vezes esta área da gestão é negligenciada por empreendedores, que sem perceber se tornam dependentes de algum fornecedor com maior poder de barganha.
A cadeia de valor é muito dinâmica e precisa ser gerida o tempo todo, pois sempre podem surgir oportunidades, com novos agentes ou atores no mercado, e também podem aparecer surpresas negativas e ameaças, como no caso mencionado de falta de matéria-prima ou grandes aumentos de preços dos fornecedores tradicionais.
Deve-se considerar que estamos em um mercado global, então, pode ser que um novo fornecedor que possa te atender, esteja do outro lado do mundo, por exemplo na China ou na Índia. Portanto, a prospecção deve ser constante, mesmo sabendo que o ideal é se estabelecer um relacionamento de parceira de médio ou longo prazo, que permitiria tratar as questões ou causas do aumento de preços e a busca por posições intermediárias ou negociadas, em conjunto.
Marketing
A segunda área que pode e deve ser trabalhada pelo empreendedor é o marketing.
Todos os elementos do marketing, mesmo do ponto de vista mais básico, dos 4 Ps (Produto, Praça – Canais de Distribuição, Promoção – Comunicação e Preço), devem ser considerados quando se tem um aumento de custos gerado por fornecedores que restringem ou aumento as matérias-primas.
Destaco primeiro a questão direta de preço. Aqui reside o dilema do empreendedor, que por ter recebido um grande aumento de custo da matéria-prima, tende a buscar uma solução simples, aumentando na mesma proporção o preço para seus clientes.
Mas será que o cliente vai entender e aceitar esse aumento de preços?
E os concorrentes vão fazer o mesmo?
Provavelmente, não!
No conceito de marketing, o ideal é vender e entregar valor para o cliente e com isto, trabalhar a percepção deste, para poder maximizar as margens, o volume de vendas e a fidelização ou construção da marca da empresa.
Caso a lição de casa esteja feita pelo empreendedor, na área de estratégia de precificação e criação de valor, haverá uma margem para ser trabalhada, eventualmente pode se reduzir o lucro por algum tempo, para não ser necessário repassar o aumento de maneira integral para o cliente e correr o risco de perder muitas vendas.
A gestão de custos já mencionada, também vai ajudar na formação de preços, mas o empresário deve entender bem como o cliente percebe valor no mercado específico, evitar operar pela média ou pelo que faz a concorrência e buscar explorar suas fortalezas.
Entender tudo o que faz parte do preço, todos os elementos, não só o custo da matéria-prima, mas por exemplo o frete, o próprio custo de promoção ou comunicação, as variáveis financeiras, ajuda a ter uma base sólida para tomar a decisão de aumentar e quanto aumentar no preço para o cliente final, se este for o caminho.
O segundo ponto do marketing, para ser explorado é a comunicação, com o cliente. Deve-se focar no que cria valor e relacionamento, e não simplesmente buscar a transparência total onde se abrem os custos e o aumento da matéria-prima para justificar o aumento de preços para o cliente ou pedir para ele comprar e evitar que a empresa quebre.
Existem segmentos e empresas onde há espaço e relacionamento para um nível de transparência que permita um diálogo com o cliente e consequentemente uma explicação sobre a dinâmica com os fornecedores e o problema de aumento de custos gerando um aumento de preços. Em outros mercados, isto pode ser difícil.
Caso o mercado seja muito competitivo, com várias opções, provavelmente o cliente pode até entender, mas no final comprará de outra opção ou empresa que não gere o mesmo inconveniente de aumento do preço final, ou que aumente menos. É um pouco de caso a caso.
É possível comunicar valor e compensar um pouco o aumento de preços, por exemplo, fazendo as entregas e não cobrando o frete, ou fornecendo um serviço adicional, como a garantia estendida sem cobrança por um período de tempo, e assim influenciar na percepção total de valor ou custo x benefícios, versus o preço isolado. Inclusive pode ser trabalhada a percepção de custo de propriedade em alguns casos (manutenção, pós-vendas, etc.).
O cliente pode aceitar pagar mais se perceber que há um esforço e que ele vai receber algo a mais, também.
Este é um momento de se comunicar com novos clientes e considerar novos mercados e canais para serem explorados, onde os novos preços podem ser menos impactantes, em função do valor criado, eventualmente com alguns ajustes no produto oferecido.
Quem sabe, não se descobre um novo nicho, até mais interessante que o tradicional?
A comunicação, o posicionamento, a mensagem, precisarão ser ajustados à esta oportunidade que viabiliza o novo preço no mercado.
Empreendedorismo
As duas áreas que trago para reflexão, na área do empreendedorismo, são: inovação e experimentação.
A situação e aumento de matérias-primas, pode ser a oportunidade para revisão e alguma inovação em todas as áreas, desde a troca nos fornecedores, como o lançamento de novos produtos com outras matérias-primas, apelando para novas tendências, como preservação do meio ambiente (produtos certificados ou reciclados) ou com um valor social.
Também há espaço para inovação no próprio modelo de negócios, mudando de vendas para aluguel ou modelo de assinatura, de produtos para serviços, etc.
Novos processos podem ser considerados, assim como novos canais e maneiras para se vender e comunicar, até para novos clientes ou segmentos.
A inovação deveria ser uma busca constante do empresário, e é cada vez mais necessária para a longevidade de qualquer negócio, mas às vezes é preciso uma pressão ou uma crise para se forçar alguns movimentos, como neste caso de grande aumento de preços de matérias-primas importantes.
Fechando a lista de sugestões, a experimentação pode ser a maneira de trabalhar com as inovações citadas, de um modo ágil, mesmo que seja com protótipos e modelos que vão ser testados ou avaliados, após os alguns estudos e análises preliminares.
Não só vale considerar a experimentação das inovações, como oferecer a experimentação das novidades para os clientes, como uma degustação, que pode ser parte do processo de validação de um novo produto, processo ou modelo.
Existem muitas opções e possibilidades para um empreendedor lidar com uma situação desafiadora, como a trazida pela pandemia do covid-19 e como o eventual grande aumento ou até mesmo a falta de matérias-primas relevantes. Espero ter trazido algumas ideias que possam ser úteis.
Gostaria de deixar a reflexão que se o empresário, estiver praticando a gestão estratégica, provavelmente ele já estará um passo a frente na hora de endereçar os desafios, construindo continuamente uma vantagem competitiva e valor para os clientes. Fica o chamado de atenção para nunca se acomodar.
Concluindo este artigo, ressalto que existem muitas técnicas, ferramentas e profissionais ou empresas que podem ser aplicados pelo empreendedor neste momento e em qualquer situação complicada. A melhor maneira é buscar esta capacitação continuamente, ter humildade para pedir ajuda quando necessário, e encarar esta situação, inicialmente desagradável e indesejada, como uma oportunidade, para uma mudança que traga impactos e resultados positivos.
Liderança é ação. Mãos a obra!
Elber Mazaro é assessor/consultor, mentor e professor em Estratégia, Tecnologia, Marketing, Carreiras/Liderança e Inovação/Empreendedorismo. Atua há mais de 25 anos no mercado, liderando negócios no Brasil e na América Latina. Possui mestrado em Empreendedorismo pela FEA-USP, pós-graduação em Marketing e bacharelado em Ciências da Computação.