* Por Exame.com
Imagine um escritório de advocacia que possui milhares de processos em trâmite na Justiça. Mesmo com dezenas de advogados, o trabalho de encontrar documentos, lê-los e analisá-los diariamente pode parecer infinito e impossível.
Até que a inteligência artificial começa a entrar na área jurídica com força, auxiliando e agilizando o trabalho do advogado.
“Da tramitação inicial até o final, no trânsito de julgado, implantamos o sistema de robôs. Vieram dificuldades e tivermos que nos adaptar”, conta José Alberto Maciel, sócio-presidente do Advocacia Maciel, onde o processo de transformação do escritório exigiu a adaptação de seus mais de 70 advogados. “Procuramos evitar a demissão de funcionários antigos, mas vimos a necessidade de atualização”.
Desde 2018, eles já investiram mais de meio milhão de reais desenvolvendo, em parceria com a empresa Intelligence for Legal (I4L), sistemas de automatização de tarefas para otimizar as atividades de fluxos internos operacionais.
Para Maciel, o Brasil e os profissionais na sua área não estão prontos para a transição de carreiras mais digitais. Com a IA, as profissões com maior chance de serem substituídas por máquinas serão aquelas com alto nível de funções repetitivas e centradas em dados.
É nesse ponto que a IA entra nos escritórios de advocacia, com os algoritmos de processamento de linguagem natural (do inglês, NPL, Natural Language Processing), é possível que a máquina entenda os dados provenientes da fala e da escrita.
A tecnologia faz a varredura diário em andamentos processuais nos tribunais de todo o país, com alertas para ajuizamento em massa de ações com indícios de fraudes processuais e cruza informações de diversas fontes.
Paula Oliveira, CEO da GoToData e especialista em inteligência artificial, acredita que a profissão pode ser potencializada com o auxílio na leitura, síntese e análise de textos.
“Considerando a natureza subjetiva de tais análises, a crítica e construção de significado, bem como a articulação das ideias que sustentam as estratégias jurídicas em cada processo permanecerão com os profissionais, durante muito tempo. É possível, porém, ganhar velocidade nas primeiras etapas de cada processo”, comenta ela.
Maciel considera que essa é uma das adaptações que precisam ser feitas com cautela. Ele conta que está acostumado a estudar processos e que o robô ajuda a dar celeridade aos processos. No entanto, ainda será necessário fazer análises profundas de cada caso. “Parte do Direito nunca poderá ser eletrônico”, fala ele.
Oliveira ressalta que a função consultiva dos profissionais, que é ancorada na experiência e empatia com clientes, deve ganhar destaque no futuro.
“Os empregos típicos nesse campo, especialmente os que se referem ao início de carreira, tendem a ser reduzidos e parcialmente substituídos por algoritmos capazes de sumarizar, analisar, organizar, classificar, buscar informações na web e, eventualmente, recomendar teses e estratégias processuais”, diz a especialista.
Para ela, todos os profissionais, do Direito e em outras áreas, devem aprender como a Ciência de Dados pode afetar suas atividades e entender como fazer um bom uso dela.
O preparo deve se estender para a investigação de pontos problemáticos no uso de automação na área. A ajuda dos robôs pode reduzir os erros humanos, mas não é infalível.
Os algoritmos que aprendem dados históricos para predizer penas podem também aprender vieses e preconceitos da sociedade e que influenciam nas decisões.
“Nos Estados Unidos, já há casos emblemáticos em que se usaram os dados sobre recorrência, perfil dos réus, dados históricos. Os negros, de acordo com as análises desses dados, ficaram com probabilidade maior de recorrência, com pena maior, sem levar em conta os atributos do crime”, explica.
* Por Luísa Granato, para Exame.com