* Por Erik Nybo
A crise atual começou com uma carta de um dos maiores investidores do mercado de venture capital do Vale do Silício para suas investidas, em 5 de março de 2020:
“Caros fundadores e CEOs,
O coronavírus é o cisne negro de 2020. (…) Como Darwin supôs, aqueles que sobrevivem “não são os mais fortes nem os mais inteligentes, mas os mais adaptáveis à mudança”.
O termo “cisne negro” vem do livro de Nassim Nicholas Taleb que carrega o mesmo título. O termo se refere a eventos inesperados com grande impacto e consequências históricas.
Apesar disso, a carta continua:
“A Zappos surgiu da crise financeira pronta para aproveitar as oportunidades depois que nossos concorrentes foram agredidos e machucados.”
Sim, toda crise pode ser vista como uma oportunidade para muitos. Vamos discutir algumas delas neste artigo.
Então, como a crise afeta o mercado de startups?
A crise afeta principalmente as startups que dependiam de investimento externo para suportar uma operação deficitária. São inúmeras histórias que lemos sobre startups e empresas deficitárias que são sustentadas por seus sugar daddys e mommy (em outras palavras, grandes investidores) durante anos. Algumas dessas empresas são até mesmo financiadas pelo público em geral (a Uber, por exemplo, tem reportado perdas recorrentemente e é aberta na bolsa de valores norte-americana).
No entanto, qualquer crise faz com que os fundos de investimento sejam mais cautelosos na escolha de onde alocar seus investimentos. O efeito disso no mercado é que os valuations astronômicos e a facilidade de encontrar investimento diminuem. Justamente porque em momentos como este os fundos passam a ser mais criteriosos no momento de alocar o dinheiro que possuem. Afinal, eles devem retornar o lucro prometido aos seus cotistas.
Como o acesso a capital pode ficar mais escasso, algumas startups podem perecer durante esse momento por conta de despesas que continuarão chegando enquanto a receita diminui. Por essa razão, o que temos visto nesse início de crise são diversas grandes startups demitindo colaboradores e, por isso, nas redes sociais já começam a circular as listas de pessoas que tiveram que ser dispensadas para que outras empresas possam contratá-las.
Logo no início da crise já fomos assolados com a notícia de que uma grande promessa nacional, a MaxMilhas (inclusive, uma das poucas startups a operar com capital próprio, ou seja, sem investidor externo) teve que demitir 42% do seu quadro (167 colaboradores). Foi a decisão mais difícil da vida dele, segundo o fundador. Bastante conhecido pelo público e admirado por muitos, não faltaram mensagens de apoio ao fundador e ao time. Além disso, a conterrânea Rock Content teve que demitir 20% dos seus colaboradores.
Junta-se ao time, o unicórnio (startup de capital privado avaliada em mais de US$ 1 bilhão) Gympass, que teve que demitir cerca de 20% de seus colaboradores. O C6 Bank demitiu 8% do seu time, o equivalente a 60 pessoas. A Loft, também parte do haras dos unicórnios brasileiros, demitiu 47 pessoas. A startup educacional Alicerce, que conta com investimento de Luciano Huck e Armínio Fraga, informou via Whatsapp aos seus 400 professores que possuem contrato com a empresa como pessoas jurídicas, que as atividades seriam suspensas por conta do fechamento de suas unidades em virtude do isolamento social.
Cortes também ocorreram na Creditas, GetNinjas, Omie e até mesmo na Kenoby, que havia anunciado ter recebido uma rodada de investimento no valor de R$ 20 milhões em janeiro deste ano.
No exterior, as demissões são tantas que o veículo de informação Business Insider criou uma lista das startups que cortaram colaboradores.
Por fim, a crise interna do WeWork ainda pode adicionar alguns números a essa lista – após escândalos de governança que levaram à interrupção da abertura de capital da empresa na bolsa norte americana no ano passado, o seu principal investidor (Softbank) e que prometeu resgatar financeiramente a empresa, dá sinais de que essa promessa provavelmente não será cumprida.
Quais são as oportunidades?
Do outro lado, vemos o aumento do consumo no e-commerce, nos serviços de delivery, no download de algumas plataformas (a exemplo do Zoom, que inclusive não conseguiu lidar com a alta demanda e acabou envolvido em uma série de questionamentos sobre privacidade) e o boom de alguns setores específicos que podem auxiliar as pessoas durante a quarentena (healthtechs, plataformas que auxiliam na digitalização de processos).
Também na contramão em meio à pandemia, a Zup (startup de Uberlândia recentemente adquirida pelo Itaú) anunciou que está contratando pessoas da área de tecnologia. Esse é um sinal sobre uma primeira oportunidade no segmento de startups: os anteriores salários inflacionados podem ser reajustados pelo mercado neste momento de crise, de forma que pode servir como uma ótima oportunidade para as empresas fazerem boas contratações. Esse ponto também sinaliza uma oportunidade no mercado de investimento em startups, que abordaremos abaixo.
Outra oportunidade é para as startups pré-operacionais. Muitas delas ainda estão com seu produto ou serviço em desenvolvimento ou até mesmo na fase de ideação. Essas startups, em sua maioria, não sofrem um impacto muito relevante – desde que seus fundadores estejam totalmente dedicados ao projeto e não estejam na correria para lançar seu produto ou serviço porque o dinheiro já está acabando.
Além disso, algumas startups ainda podem se beneficiar pelo enfraquecimento de alguns concorrentes neste momento sensível. Assim, tem a possibilidade de crescer e tomar mercado, caso estejam bem estruturadas e preparadas para navegar em mares revoltos.
Eu, pessoalmente, tenho bastante receio da crise e confesso que logo no início fiquei muito preocupado com a sustentabilidade do meu negócio, a Bits Academy. Nossa empresa, até então, focava em realizar aulas e treinamentos presenciais, pois assim poderíamos oferecer a experiência completa aos nossos clientes. Apesar do medo inicial, vi que muitos empresários, fornecedores e parceiros estavam se ajudando neste momento difícil.
Diante desse cenário, logo antes de entrarmos em quarentena, fizemos uma reunião com uma de nossas professoras (que é psicóloga) para avaliar nossos sentimentos, medos e expectativas em relação a este momento. Após essa sessão, verificamos que poderíamos acelerar nossa estratégia de lançamento de conteúdo online, o que já vinha sendo testado há algum tempo.
Para nossa surpresa, o desempenho foi melhor do que no modelo anterior. Além disso, também passamos a mudar nossa oferta de produtos – antes, nosso principal produto eram aulas presenciais. Agora, passaram a ser as aulas online e o auxílio às empresas, escritórios e pessoas na sua transformação digital (ajudamos no mapeamento dos processos, escolha dos softwares, contato com os representantes dessas plataformas, implantação e treinamento do uso das novas tecnologias numa organização). Hoje, nossa preocupação passou a ser muito mais com o pós-crise do que o momento em que estamos vivendo. Afinal, não sabemos como será o mercado após a quarentena.
É o momento de investir em startups?
Pensando em todos esses impactos, podemos nos indagar se é o momento correto para investir em startups.
Vamos aos fatos baseado nas experiências que tive:
– No último mês participei da estruturação de duas rodadas de investimento em healthtechs diferentes realizadas por investidores anjo, cujo montante totaliza mais de R$ 1,5 milhão.
– Participei também de outro projeto em que dois investidores estão criando uma startup que já parte de um investimento inicial de aproximadamente R$ 1,8 milhão.
– Ontem fui convidado para participar de mais uma iniciativa de investimento de um investidor anjo que pretende colocar aproximadamente R$ 500 mil em uma startup.
– Ontem também surgiu um potencial investimento de um empresário relevante em uma fintech de crédito.
– Além disso, faço parte de um grupo que costuma investir em startup e as operações continuam fluindo normalmente dentro do grupo.
E na minha percepção, o que tudo isso indica?É um bom momento para investidores anjo.
Como mencionado, o mercado está escasso para obtenção de investimento com os grandes fundos. Esses fundos costumam inflar os valuations das startups por conta da sua alta capacidade financeira. Esses fatores combinados fazem com que investidores anjo tenham uma oportunidade melhor de captar boas startups para investir durante a crise, além da possibilidade de investir a valuations menores.
Erik Fontenele Nybo, fundador da BITS Academy (bitsacademy.com.br). Foi gerente jurídico global da Easy Taxi. Autor e coordenador do livro “Direito das Startups” (Saraiva) e “O Poder dos Algoritmos” (Enlaw) e coordenador do curso “Direito em Startups” no INSPER. Advogado formado pela Fundação Getúlio Vargas. Email: erikfnybo@gmail.com