O lançamento do software para TV digital Ginga ocorreu em 2007 e, desde então, pouco se ouviu falar dele. No universo das pessoas comuns, aliás, mal se sabe para que, exatamente, ele serve.
Bom, lá vou eu tentar: ele é um middleware, ou seja, um mediador, instalado nos dispositivos de ponta – ou seja, conversores, televisores, celulares e tablets. O mais bacana é que o Ginga é uma tecnologia brasileira, desenvolvida pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Outro ponto muito maneiro: o Ginga antecipou muitas tendências e discussões que gravitam em torno do universo da TV digital, como as aplicações híbridas integradas broadband/broadcast, e isso é o que realmente é a TV digital (falaremos sobre mais abaixo, prometo).
Até aí OK, mas qual a funcionalidade do Ginga? Na realidade, ele é uma “fina teia” que se coloca entre o sistema e os aplicativos, para tornar esses últimos independentes do primeiro e também do hardware, assim como criar um apoio para o desenvolvimento de apps. Se fosse um vôlei, o Ginga seria o levantador que ajeita a bola, redondinha, para a cortada da interatividade.
Para fazer as vezes de intermediário, há uma biblioteca de funções e mecanismos de execução de linguagens. Isso tudo para dar suporte ao desenvolvimento de apps interativos para a TV digital – mensagens, consultas bancárias, internet por meio do aparelho televisivo.
Você pode até dizer que já tem essas funções via navegador, o que está absolutamente correto. Esse, inclusive, é um dos questionamentos levantados pelo empreendedor e mestre em computação baiano Camilo Telles, que é sócio da MTM Tecnologia/Zetks. “Claro que foi um mérito o Brasil ter desenvolvido essa tecnologia, e foi incrível por algum tempo”, disse Telles para mim por telefone. “Mas talvez ela não tenha vingado. É que nem o Minitel na França [serviço de videotexto pela TV lançado em 1982] que fez sucesso, mas perdeu o sentido com a chegada da internet. Não conheço nenhuma pessoa que tenha usado uma aplicação Ginga na vida”, disse. “A grande tônica é: quantos Gingas existem no Brasil?”, questiona ele.
Existe, então, uma plataforma a ser substituída? “Não sei”, diz ele. “Mas o que percebo é que, agora, toda a TV vai ter um browser”, afirma ele.
Telles chegou a escrever um artigo sobre o tema, cuja íntegra pode ser lida logo aqui, no qual relata o desenvolvimento de protótipos para vender ingressos pela TV digital. “Depois de alguns meses eu me pergunto para que lado vai o Ginga. Ao mesmo tempo em que uma equipe de duas pessoas trabalhava para entregar um protótipo com funcionalidades mínimas, um engenheiro de frontend na plataforma HTML5 fez 2 protótipos (LG e Samsung) e revisou um destes protótipos para ficar compatível com as duas TVs (algo semelhante ao mundo Chrome x Firefox x Safari x Internet Explorer). Se eu quiser modificar a aplicação Ginga, eu sei que vai ser um parto. O ambiente de desenvolvimento e o SDK não ajudam. Se eu pedir para modificar o HTML5, uso toda a infraestrutura atual de frameworks para web (ferramentas e bibliotecas)”, escreveu.
Eu procurei um dos desenvolvedores da Ginga para comentar as questões levantadas pelo artigo, o professor da PUC-Rio e coordenador geral do Telemídia (núcleo da universidade responsável pelo projeto em si), Luiz Fernando Gomes Soares. Ele preferiu tocar nos pontos levantados pelo Camilo Telles lá nos comentários do blog do empreendedor baiano (esse link do parágrafo acima).
“O Ginga foi a primeira solução no mundo a tratar de aplicações híbridas integradas (broadband/broadcast), isso em 2007. Só agora em 2013 os radiodifusores do mundo começam a falar em plataformas IBB (Integrated Broadband/Broadcast). Quando começarem a aparecer as primeiras aplicações integradas, vamos todos perceber o quanto é limitado o que se consegue com as TVs conectadas. Quando começarmos a explorar de fato o vídeo principal (o programa de TV) e não apenas usar a tela da TV com um monitor de computador, vamos ver o que é de fato a TV digital. Por que o que se esta fazendo até agora é muito ruim”, escreveu o professor da PUC-Rio.
“Por ter sido o primeiro a fazer essa integração o Ginga foi adotado pela UIT (International Telecommunication Union) como padrão internacional. Foi a primeira vez que o Brasil teve um padrão adotado na sua íntegra na área de TICs. Isso foi feito não por uma proposição do Brasil, mas inicialmente do Japão. Ginga foi também o primeiro a possibilitar aplicações multidispositivo, em 2007. Só em 2011 começaram a se falar em segunda tela em outras soluções. Ginga era e ainda é o que há de melhor “em tecnologia” para a ‘verdadeira’ TV digital.”
Ele também contemporiza outro dos pontos abordados por Telles. “Na verdade o Ginga esbarrou em sua primeira grande barreira: a publicação das aplicações e, nesse ponto o artigo acima acerta em cheio. Por mais que equipamentos portem o Ginga, por mais que milhares, milhões fizessem aplicações Ginga, sua distribuição ficava limitada a quatro ou cinco atores. Infelizmente, no Brasil não temos uma TV Pública forte ou um serviço de IPTV capaz de permitir a distribuição de aplicações NCL de forma, digamos, ‘democrática'”.
Ou seja, seriam as emissoras as grandes grande algozes do Ginga, o bloqueio da cortada naquele vôlei tecnológico que mencionamos acima? Como o próprio Gomes Soares menciona, “o Ginga foi adotado pela UIT (International Telecommunication Union) como padrão internacional. Foi a primeira vez que o Brasil teve um padrão adotado na sua íntegra na área de TICs. Isso foi feito não por uma proposição do Brasil, mas inicialmente do Japão. Ginga foi também o primeiro a possibilitar aplicações multidispositivo, em 2007. Só em 2011 começaram a se falar em segunda tela em outras soluções. Ginga era e ainda é o que há de melhor “em tecnologia” para a ‘verdadeira’ TV digital”.
Não é a primeira vez que a tecnologia é colocada em questionamentos. Alguns especialistas falaram ao jornal “Folha de S.Paulo” há alguns meses. Em um denominador comum, eles disseram que depende muito do engajamento das emissoras para que a Ginga seja alçada ao uso maciço (leia aqui).
Mesmo com esse impasse, existe um ponto de convergência na opinião desses dois especialistas: podemos e devemos ter orgulho do Ginga. Com a palavra, Gomes Soares: “o Ginga é um sucesso ‘total’, só pelo que já deu hoje ao país: formação de mão de obra qualificada, pela obrigação de empresas que eram apenas montadoras a desenvolverem tecnologia no Brasil, criação de empregos e empresas (várias as que hoje fazem aplicações para TVs conectadas nasceram por causa do Ginga), além de levar o Brasil ao cenário mundial da tecnologia de ponta.”
E você, desenvolvedor, usuário ou interessado no tema, o que acha disso? Conte para nós nos comentários – a sua opinião também nos importa.