A iniciativa Start-Up Brasil, uma parceria entre o Ministério de Ciências, Tecnologia e Inovação (MCTI), outras entidades e 9 empresas aceleradoras de startups de base tecnológica, está dando o que falar. O programa mal passou de sua primeira fase (com a seleção das aceleradoras Aceleratech, 21212, Microsoft, Papaya, Pipa, Wayra, Fumsoft, Outsource e StartYouUp) e o mercado empreendedor discute seus detalhes Internet afora.
Quinta-feira, publiquei uma matéria consolidando várias dúvidas e críticas ao programa. Na sexta-feira, eu e a nossa jornalista Amanda Demetrio elaboramos uma série de perguntas. Hoje, publico aqui as respostas de Rafael Moreira, que é o gestor governamental de Software e Serviços de TI da Secretaria de Políticas de Informática, no MCTI. Ele é o corrdenador geral do Start-Up Brasil, esteve envolvido diretamente desde o início. Confira.
Como foi o processo de criação de toda estratégia do Start-Up Brasil?
O Start-Up Brasil surgiu como uma iniciativa do Programa Estratégico de Software e Serviços de TI (TI Maior), lançado no final de agosto de 2012 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Realizamos um diagnóstico completo do setor de tecnologia da informação no Brasil e no mundo, durante 14 meses de trabalho com mais de 30 consultores em diversas frentes de trabalho: empreendedorismo, exportação, internacionalização, centros de P&D, ecossistemas digitais (análise da TI aplicada em setores como mineração, aeroespacial, óleo e gás, dentre outros). Assim, ao avaliarmos a experiência de países como EUA, Índia, Chile, Israel, Coréia do Sul, Irlanda, Reino Unido, Alemanha e China, coletamos as melhores políticas públicas e parcerias privadas desse países, quando identificamos um grande foco na geração de startups, ampliação do mercado de capital de risco e intensiva parceria público-privada na geração de programas efetivos para suportar o ambiente do empreendedorismo de base tecnológica.
A partir das experiências internacionais, aprofundamos a análise da situação brasileira do empreendedorismo de base tecnológica, buscando um diagnóstico das várias partes da cadeia do capital de risco: incubação, capital semente, venture capital, private equity e IPO. Avaliamos a regulamentação brasileira e conversamos com praticamente todos os atores públicos e privados relevantes na área, e identificamos uma grande escassez de recursos para a fase mais importante do empreendimento de base tecnológica: aportes sementes para startups brasileiras. Observamos que havia um gap entre os projetos das incubadoras e os fundos de capital de risco, além da linguagem distinta entre estes dois mundos.
Daí, ao avaliarmos o movimento internacional das aceleradoras como catalisadores do processo de geração das startups, também identificamos que este ecossistema no Brasil era ainda incipiente, mas com grande potencial. Colhemos as experiências internacionais de Israel, Canadá, Chile e EUA, e desenhamos o Start-Up Brasil, mantendo alguns pilares: parceria público-privada, estruturas “leves”, “empowerment”do setor privado e o governo como articulador do ecossistema, e não operador.
Algumas aceleradoras desconhecidas foram escolhidas. Não era necessário que elas fossem mais ativas para serem selecionadas? O que elas tiveram que provar para serem escolhidas?
Quando optamos por desenhar um modelo que envolvesse as aceleradoras, para vários especialistas nacionais e internacionais que consultamos apresentávamos a seguinte pergunta: o que uma aceleradora de sucesso em qualquer parte do mundo deve oferecer para as startups? A resposta sucinta desta pergunta foi a definição dos critérios para a seleção de aceleradoras no edital lançado no último novembro, envolvendo bons processos de aceleração, equipe e infraestrutura de qualidade, modelo de negócios e monetização relevante, parceiros tecnológicos e financeiros estratégicos, fundos ou investidores anjos envolvidos, volume disponível de capital para investimento, parceiros com poder de compra para os produtos gerados pelas startups, etc.
Obviamente que esperávamos propostas muito diferentes nos quesitos acima mencionados, envolvendo aceleradoras muito reconhecidas no ambiente das startups e outras novas, com propostas agressivas, mas com pouco conhecimento pelos startupeiros. Das 23 propostas enviadas, partimos para uma análise com pesos distintos para cada um dos grupos de avaliação, sendo que cada membro da banca dava notas em uma escala de 0-10 para cada um dos sub-itens, que eram então ponderados e somados.
Por exemplo, algumas aceleradoras foram muito bem pontuadas na equipe, infra, metodologia de aceleração, mas apresentavam notas inferiores a outras em quesitos como disponibilidade de capital, parceiros estratégicos, foco de negócios e até mesmo em modelos de monetização. Por isso, a existência de aceleradoras com perfil mais reconhecido no ambiente das startups e outras novas.
Entendo que o ecossistema de startups quer ver as propostas destas aceleradoras, e vamos apresentar cada uma delas, com sua proposta de trabalho, seu foco, metodologia de aceleração, modelo de monetização, infra, parceiros, capital disponível, etc. Isto ocorrerá no final de março, no RJ, com o anúncio da chamada global para as startups.
Nem toda startup precisa de uma aceleradora. O governo não pretende estimular esse tipo de empresa?
De fato, nem toda startup precisa de uma aceleradora. Mas conforme abordei antes, um dos principais diagnósticos que encontramos no desenho do TI Maior foi a baixa conexão dos investimentos em P&D fomentados pelo governo e o acesso a mercado destas tecnologias. Há um grande viés do investimento público para a mitigação do risco tecnológico, mas não há boa correlação com a mitigação do risco de mercado. Avaliamos praticamente todas as experiências brasileiras com casos reais de estudo referentes á subvenção econômica, PRIME, Programa Nacional de Incubadoras (PNI), Fundos Inovar, CRIATEC, FUNTEC, dentre outras medidas. Não que estes programas estavam errados, mas apenas mitigar o risco tecnológico é condição necessária, mas não é suficiente. Daí, partimos para um modelo “auto-tutelado” pelo próprio setor privado, por meio das aceleradoras. Mas já temos uma série de propostas para o fomento direto ás startups e estamos finalizando estas medidas.
Tem muita gente reclamando que o processo de seleção não foi muito transparente. Vocês vão divulgar todas as propostas submetidas? Vocês podem divulgar como as pessoas que selecionaram foram escolhidas? Vocês podem disponibilizar os critérios usados e os pesos dados a cada um deles?
Um processo seletivo pode, a priori, divulgar maiores informações ex-ante, porém, tratamos com a maior seriedade possível a seleção das aceleradoras, mantendo a banca protegida. Apenas divulgamos os nomes dos 5 membros da banca após o resultado final, exatamente para preserva-los de pressões externas. Conforme havia dito antes, precisávamos mesclar os membros da banca com visões além do ambiente puro das startups, pois outras variáveis também estavam em jogo: modelo de negócios, capacidade de investimento, parcerias de mercado, capacidade de desenvolvimento de projetos de P&D, além de uma visão institucional e de governança. Isto tudo para tentar garantir aos startupeiros propostas de qualidade ponderadas por todos os critérios colocados na mesa.
Portanto, definimos a banca com 5 membros, sendo o MCTI apenas coordenador sem direito a voto. Com isso blindamos o processo de pedidos políticos ou pressões privadas sobre o Ministério. Compomos a banca então com membros com visão acadêmica/tecnológica (optamos por um professor emérito que já vendeu várias empresas para grandes grupos internacionais); a visão de agência de fomento (CNPq), pois possuem muito expertise em capturar falhas nos projetos; o braço do mercado de capitais, com larga experiência em captação de recursos nacionais e internacionais, em várias áreas e tamanho (Brain); uma visão de articulação institucional e de governo, com capacidade de avaliar a presença do mundo corporation dentro das aceleradoras (MDIC); e a visão das startups com o Felipe Matos, fundador do Startup Farm e convidado a ser o COO do Start-Up Brasil, a ser anunciado no final de março.
Gostaríamos de divulgar todas as propostas e notas dos membros da banca, mas isto é ilegal, existem várias informações confidenciais/privadas das aceleradores e seus parceiros, além de colocar os membros da banca em situação delicada. Adiciono o fato de algumas aceleradoras não-selecionadas terem pedido para não divulgarmos que elas aplicaram. Assim, optamos por enviar as notas obtidas por cada uma das aceleradoras para elas mesmas, compilando as notas da banca para cada faixa de critérios. Publicaremos no Diário Oficial da União apenas o resultado com as 9 selecionadas.
O que vocês podem adiantar de informações sobre as aceleradoras que foram criadas para a inscrição no programa?
Prefiro que elas mesmas em breve façam isto. Existe uma lógica daqui em diante: as aceleradoras competirão pelas melhores startups, cabendo a elas a melhor divulgação, as melhores condições de aceleração, os parceiros potenciais de maior probabilidade de apoio, o aporte de capital necessário para os investimentos series A ou second round, enfim, que vençam as melhores e mais competentes aceleradoras. Reforço que elas só estão qualificadas para 12 meses, não é privativa a cadeira.
A banca revelou seus votos publicamente ou foi voto cego?
Cada membro da banca enviou suas notas individualmente antes da reunião final, nós compilamos as informações, criamos o ranking e apresentamos na reunião final com todos eles presentes, indicando as notas de cada um. O voto foi público.
Tem muita gente também notando essa centralização no Rio – uma surpresa em relação a São Paulo. Isso foi intencional? O fator regional influenciou a escolha nessa primeira etapa?
Não foi intencional. Pelo contrário, encorajamos grupos de todas as regiões para que aplicassem. O Secretário Virgilio Almeida deixou claro que apenas os critérios técnicos balizariam a escolha, sem a definição de cotas por regiões, ou pedidos municipais. DAs propostas selecionadas coincidentemente várias foram do RJ, mas foi acidental. Fora do eixo RJ – SP, apenas MG e ES conseguiram uma vaga.
Um ponto interessante para ser colocado é que independente da região do país da startup, ela poderá aplicar e ser selecionada por uma destas 9 aceleradoras, lembrando que a equipe da startup e o founder poderão receber uma remuneração bacana ao longo dos 12 meses de aceleração, podendo diminuir o problema que todo empreendedor tem no início da caminhada: dinheiro para pagar as contas enquanto investe no sonho!
Muita gente deve ter perguntado o motivo de 9 e não 6 aceleradoras. O Programa nem começou e tem dado uma repercussão muito positiva na alta administração pública brasileira, somado ao fato da diferença de notas entre as últimas aceleradoras ter se dado na casa dos décimos, o Ministério definiu que era melhor ampliar o volume de recursos e contemplar um número maior de startups com recursos públicos, objetivando oferecer maior apoio para as startups do programa, mesmo nesta fase inicial.
Por isso, nosso foco agora é arregaçar as mangas, trabalhar efetivamente para romper as barreiras que ainda impedem que startupeiros brilhantes percam o sonho de empreender em um mercado tão promissor como o nosso.
Quando o edital para seleção de startups vai ser lançado para inscrições?
Será anunciado no dia 21 de março no RJ, tanto para as startups nacionais, quanto para as internacionais.
Veja também: entrevista anterior em vídeo com Rafael Moreira e Felipe Matos, o COO do Start-Up Brasil.