Tração de startups é um assunto complexo e o sucesso desse processo depende de muitas variáveis que devem ser bem analisadas e levadas em conta. Na publicação anterior, falamos sobre quais canais de tração são ideais para diferentes tipos de startups e se vale mais a pena expandir a cobertura de mercado ou aprofundar a atuação no mercado em que a empresa já está inserida.
Para continuar falando sobre este tema, André Macedo, fundador da ZeroPaper e country manager da Intuit no Brasil; Fábio Póvoa, Investidor, e Pedro Waengertner, CEO da Aceleratech e presidente da ABRAII dão dicas sobre como tracionar diferentes modelos de vendas, como a startup pode manter o equilibro de operação versus entrega e qual é o papel dos investidores e das aceleradoras nesta fase da startup.
Indicadores
Fábio Póvoa diz que, de modo geral, os indicadores mais convincentes para monitorar a tração de uma startup são: Lucratividade; Receitas; Usuários ativos; Usuários cadastrados; Engajamento; Parcerias / clientes e Tráfego. “Startups B2C em geral priorizam tráfego, cadastros e engajamento em versões gratuitas, ou modelos trial, para alimentar o topo do funil de vendas, e posterior monetização. Assim, há que se monitorar não apenas os números para validar tração, mas também as métricas de conversão”, explica.
Já as empresas B2B em geral têm um universo de clientes potenciais menor, portanto precisam mostrar melhor tração no pipeline de vendas, como leads, prospects e contratos fechados, com monetização efetiva em um período de tempo menor se comparadas com B2C.
“Cada empresa tem um desafio diferente e depende de algumas variáveis”, diz Pedro. Tudo depende do público que a startup vai atingir, do ticket médio do produto vendido e o modelo de negócio. Por exemplo: duas empresas SaaS que vendem para o mercado B2B podem ter duas estratégias de marketing completamente diferentes só pelo valor da assinatura do produto. “Por via de regra, eu gosto de buscar referências de empresas semelhantes no Brasil e no exterior para entender quais os formatos que mais funcionam, mas eu não tentaria usar isso como regra. A dose de criatividade e inovação que a empresa vai dar para a forma de obter novos clientes é uma das grandes características dos ótimos empreendedores”, explica o CEO da Aceleratech.
Pedro diz que normalmente, nas empresas B2C que adquirem clientes via web (possivelmente com LTV – Lifetime Value muito baixo), ele procura começar de baixo para cima, olhando primeiro a landing page e estrutura de conversão. “A otimização sempre é do produto para cima no funil e não o contrário. Fazemos isso porque qualquer melhoria em estágios inferiores tem um impacto muito grande no resultado. Por exemplo, se melhorarmos a conversão de 0,2% para 0,4%, na prática nós dobramos as vendas. Para testar se o funil funciona, eu tentaria testes com canais que são mais óbvios para encontrar as personas-alvo, dentro das hipóteses que montamos. Geralmente o básico é o mais importante: a proposta de valor está clara? A landing page comunica? Tem alguma fricção óbvia no processo?”, diz.
Em empresas B2B (e B2C com LTV um pouco mais alto), Pedro diz que é aconselhável fazer primeiro um processo mais artesanal de vendas, onde os sócios ligam diretamente para os clientes. “Eu tendo a não gostar muito de trials sem a intervenção de inside sales. Não tenho evidências de que trials produzem resultados na maioria dos casos.” O objetivo é sempre tentar montar uma máquina que funcione: gera leads qualificados > converte em vendas.
Para Pedro, os marketplaces são os modelos mais desafiadores, pois são essencialmente dois clientes em um. “Eu sempre tento aconselhar a reduzir a complexidade no lado da oferta primeiro, para trabalhar a aquisição de compradores. Neste caso, é sempre melhor criar inventário antes”, diz.
Operação X Entrega
André Macedo, country manager da Intuit no Brasil, defende que o ponto principal para que a startup não amplie demais sua base de clientes sem que seja capaz de entregar o produto ou serviço é a equipe. “Cada uma das pessoas do time precisa fazer algo para complementar na empresa”. Para evitar a sobrecarga, a equipe precisa se complementar e estar bem distribuída entre as responsabilidades com a parte comercial, relacionamento com investidores, vendas, aquisição de clientes e contabilidade, por exemplo. “Se a sua empresa é de tecnologia, também é essencial que dentro da empresa, olhando para o motor dela, tenha uma pessoa que entenda de tecnologia. Se a sua empresa é de sapato, quem olha para ela internamente todos os dias deve entender de sapato”, diz.
Além do time, é muito importante não deixar a qualidade do produto cair, o que inclui também o atendimento ao cliente. “O mais importante não é sair buscando clientes de maneira desenfreada. É melhor ter 100 clientes que amam o seu produto e a sua empresa do que 1000 que tem uma relação fria e distante. Buscar a satisfação do cliente e fazer o job que o produto se propõe é a grande prioridade dos empreendedores. Marketing bom em produto ruim só queima o filme mais rápido”, explica Pedro Waengertner.
Conforme a startup vai tracionando e crescendo, os empreendedores se deparam com problemas estruturais e tecnológicos, fazendo com que grande parte do trabalho da empresa precise ser automatizado. “Infelizmente a maioria dos empreendedores não chega até este problema. Por isso reforço a combinação de foco no produto, em um marketing criativo, que não use apenas os canais tradicionais e metas de tração mensais ou, no máximo, trimestrais”, diz Pedro.
Como o crescimento deve ser sempre antecedido de planejamento, o investidor Fábio Póvoa também dá algumas dicas para que a startup se certifique de que não haverá sobrecarga na hora de ampliar a operação:
- Infra-estrutura: certifique-se de que sua infra estrutura (servidores, gateways de pagamento etc) esteja pronta para picos de acesso e carga. Em geral, infra em nuvem (como Amazon Webservices) já vêm com ferramentas de balanceamento de carga.
- Stress test: execute stress tests para validar não apenas sua infra, mas também e performance (a fim de descobrir gargalos) na sua própria plataforma de software.
- Self service: em geral, o maior gargalo no crescimento é gente, capacidade de contratar e treinar novas pessoas. Procure então estruturar e organizar ferramentas de self service para evitar que demandas dos usuários e consumidores sejam equacionadas por eles mesmos. Por exemplo, FAQs, formulários inteligentes de dúvidas que já mapeiam palavras chave e sugerem respostas etc.
- Processo: procure estruturar e implementar processos de negócios automatizáveis, que possam escalar junto com sua operação. Por exemplo, todo o ciclo de vida básico de acesso, sign-up, compra, confirmação, delivery, billing etc, deve estar integrado com ferramentas de lead gen, mkt online, gateways de pagamento, help desk e outras ferramentas, integráveis via API, de forma a tornar sua operação o mais automatizada possível.
- Documentação: além de automatizáveis, os principais processos de negócios, particularmente aqueles em que há um ponto de contato com clientes, precisam estar documentados. Isso facilita que novos colaboradores – estagiários – possam ser incorporados ao time, se capacitem com a leitura destes processos e aumentem a capacidade de atendimento e operação, sem prejuízo à produtividade dos demais colaboradores para treinamento e gestão.
Aceleradoras e investidores
Como aceleradoras e investidores costumam ter ampla experiência com o ecossistema de startups, são peças importantes para ajudar o empreendedor a tracionar o negócio. Fábio Póvoa diz que nesta hora, a ação do investidor pode ser decisiva.”A melhor forma é capacitar o time de founders, disseminando as melhores práticas, dando exemplos práticos e cobrando uma disciplina em torno dos experimentos de tração – brainstorm de canais, priorização, planejamento dos experimentos, modelagem financeira, deliverables concretos (landing pages, campanhas online), hipóteses a serem testadas, resultados atingidos”, explica.
Já as aceleradoras ajudam o empreendedor a entender estes processos e fazem com que o dinheiro de investimento seja utilizado efetivamente para o crescimento do negócio. “É uma jornada árdua, mas somente assim o empreendedor está preparado para receber o capital dos investidores. Vários investidores-anjo possuem experiência no setor de atuação da empresa e podem ajudar com dicas e contatos importantes na área. É papel do empreendedor tirar o maior proveito possível destes recursos”, finaliza Pedro.