O título deste artigo é uma frase que já foi repetida inúmeras vezes, mas de tempos em tempos é importante recuperar seu significado, especialmente neste novo momento de excitação em torno de startups.
Muitos acreditam que podem muito mas por terem inúmeras restrições elas estão fadadas ao fracasso. Caso tivessem “mais” dinheiro, “mais” tempo, “mais” reconhecimento, “mais” alguma coisa só então poderiam realizar seu “potencial escondido”. O fato de fracassarem seria, portanto, um defeito do mercado, da sociedade e de tudo ao redor que limita esse potencial.
Por isso mesmo existe um enorme rebanho de pessoas que gostariam de ser “empreendedores” e gastam seu tempo criando “sales pitches” para tentar seduzir e convencer fundos de investimento, investidores anjos ou qualquer um com recursos para lhe dar esse “mais”.
E não digo somente quem quer ser empreendedor mas qualquer profissional em geral. Todos estão convencidos que se a empresa onde trabalha lhe pagasse “mais” ele por consequência seria motivado a realizar mais. Se o projeto tivesse “mais” tempo ele seria capaz de entregar a tempo. Se tivesse “mais” liberdade poderia entregar melhor.
Em resumo: “Se me dessem mais, eu faria mais, afinal liberdade é ter todas as escolhas possíveis”.
Quero argumentar que o oposto é a verdade. Até um certo limite são as restrições que levam às inovações e não a abundância. Abundância leva à zona de conforto, e não pode existir motivação para se tomar qualquer ação se você já está num estado de conforto.
Por que alguém inventaria maneiras mais eficientes quando se tem tempo infinito?
Por que alguém inventaria maneiras mais baratas quando se tem dinheiro infinito?
Para quê ter criatividade para inovar quando não existe essa necessidade?
E a resposta é simples: abundância significa ausência da necessidade de se fazer escolhas. E não ter que fazer escolhas significa incapacidade em priorizar. Priorização é a consequência de se viver sobre restrições. E quando alguma coisa “não é possível” dentro dessas restrições, usando somente as “formas convencionais”, é quando alguém se vê literalmente “forçado” a ser criativo para sair dessas formas convencionais e criar a real “inovação”. Inovação é o que torna o impossível hoje possível amanhã.
“É impossível atravessar o mundo em 24 horas”. Seria, mesmo antes do século XX se a forma mais eficiente de transporte que se conhece é por navio.
“É impossível continuar alimentando todas as pessoas do planeta”. Seria, se não conseguíssemos engenharias de agricultura e genética que possibilitam extrair o máximo da mínima área cultivável.
“É impossível ir até a Lua”. Acho que vocês entenderam.
Quando você tem zero reais no bolso e não tem onde captar dinheiro, a solução não é reclamar do mundo injusto que não lhe dá mais. A solução será por outros caminhos, com as próprias pernas. Você vai ter que convencer parceiros, priorizar, negociar, barganhar, tomar as escolhas difíceis. É assim que a restrição libera e força sua criatividade de inovar em outras direções.
Se ainda não acredita vamos a alguns extremos:
Toda a riquíssima literatura ocidental dos últimos séculos é descrita com uma combinação de 26 letras e 10 números do alfabeto. Shakespeare não seria melhor necessariamente se existisse mais letras no alfabeto.
Toda a infinidade de números podem ser expressados com meros 10 símbolos numéricos. Paul Erdős não faria matemática melhor com mais formas de notação numérica.
Toda a diversidade dos seres vivos que existem hoje, já existiram e ainda estão por vir pode ser resumida na informação do DNA, codificada com apenas 4 bases, adenina, citosina, guanina e timina. 1% de diferença nesse DNA é o suficiente para criar espécies tão diferentes quanto o macaco e nós.
Claro, um tweet tem apenas 140 caracteres. É uma restrição que se levarmos a sério nos leva a ser concisos e dizer o absolutamente necessário que cabe nesse pequeno espaço, e muitos conseguem criar memes inteiros nesse espaço. Não é diferente de um Haiku, uma forma literária de 17 sílabas ou menos para também capturar o essencial no momento.
Em design falamos o tempo todo de minimalismo, de que “menos é mais”, onde os exemplos de excelência vem dos reconhecidos designs industriais de Jony Ive na Apple.
Falando em design temos outro nome reconhecido como John Maeda que diz que “na área de design existe a crença de que com mais restrições, soluções melhores são reveladas”
e que “urgência e espírito criativo andam de mãos dadas.”
No mundo das apresentações, palestras e slides temos o famoso “Presentation Zen” de Garr Reynolds, que nos ensina a limitar nossas idéias no mínimo possível, até chegar à mínima narrativa e slides simples que no limites se restringem a uma única imagem ou uma única palavra por slide. Lembram das apresentações de Steve Jobs? Mesmo conceito. A abundância leva aos horríveis Powerpoints poluídos de informação mas que, paradoxalmente, transmitem pouco.
Ou o que é possível fazer a partir de meros dois dígitos? Zero e Um? Um sistema binário que é o DNA por trás de todo o mundo digital e da Internet que conecta bilhões de pessoas no mundo todo.
Podemos extrapolar em diversos exemplos mas o mais importante é que a busca da abundância com o pretexto de possibilitar a execução de suas idéias é uma busca sem sentido. As soluções aparecem nas limitações, se perseguidas corretamente, quem souber encarar as restrições ao seu redor, buscando soluções criativas, é quem primeiro inovará de verdade.
Você acha que precisa de “mais” para fazer “mais”? Minha conclusão é que se com pouco não se faz nada, com muito vai se fazer menos ainda.
Inovar é a arte de priorizar e ser criativo sendo motivado pelas constantes restrições.