O ano de 2013 foi longo e contemplado com a novidade da primeira turma de aceleração do Programa Start-Up Brasil, iniciativa governamental cujo objetivo é desenvolver o incerto ecossistema empreendedor de base tecnológica.
Acredito que, como eu, todos ficaram curiosos em relação aos meandros do desenvolvimento dessa iniciativa federal. Claro que alguns já sabem, outros nem tanto; eu mesma já tinha conversado nos bastidores sobre as idiossincrasias que rolaram.
Convoquei alguns deles para fazer um balanço geral sobre o programa, tanto em aspectos negativos quanto positivos. Quem me respondeu estará listado aqui, democraticamente hierarquizado em ordem alfabética pelo nome da empresa. Foi dada, também, a opção de que os empreendedores não se identificassem (dentre os que responderam, apenas um optou por isso).
Antes de transcrever o que os empreendedores me relataram, é preciso reforçar algo que está implícito, mas que não deixa de ser importante: o CNPq é um instrumento desenvolvido para bolsistas acadêmicos. Não é um sistema empreendedor, não é um sistema arquitetado para repasse de investimentos e foi ligeiramente adaptado para isso.
A ideia aqui – sem juízo de valor – é iniciar um corolário sobre essa parte tão importante do ecossistema, além de fornecer algumas alternativas de melhorias para o Programa Start-Up Brasil. Nesta primeira parte, consultamos os empreendedores bolsistas. A segunda parte, que sairá na semana que vem, contemplará a visão da coordenação do programa, além de ter, também, o lado do CNPq. Com a palavra, agora, os empreendedores que participaram da primeira turma de aceleração.
O desenrolar do programa Start-Up Brasil
“A nosso ver, por enquanto, o saldo do programa Start-Up Brasil é positivo. O ecossistema se tornou mais organizado e, de certa forma, regulado com a entrada de um programa do Governo Federal.
Como pontos negativos, coloco:
– Burocracia na implementação de bolsas (natural do processo do CNPq que é voltado para cientistas)
– Demandas para cumprimento das obrigações dos bolsistas que fogem muito da realidade do mercado de tecnologia (Design e Desenvolvimento, especificamente)
– Profissionais experientes não desejam participar do projeto como “bolsista” – desalinhado do mercado profissional
Como pontos positivos:
– Integração com outros programas (já fomos ao Chile fazer parte do demoday do Startup Chile, ao RJ participar do seedstars world e outros programas internacionais já estão no pipeline)
– Programa dá um peso diferente para a startup. Recebemos vários contatos comerciais e de investimentos por conta do programa
– Equipe mais motivada: nosso time de colaboradores ficou mais motivado por sermos destaque no cenário nacional
– Aumento da equipe de desenvolvimento com recursos do programa” (Marcelo Furtado, da Convenia)
“O principal ponto positivo foi a obrigação de estar ligado a uma aceleradora – nós escolhemos a Aceleratech. No entanto, imagino que pode ser um problema quando a aceleradora e startup não se entendam. Negativo foi a dificuldade de liberação de bolsas pelo CNPq. (Thiago Diniz, da Eventick)
“O programa tem sido muito positivo. O período de aceleração nos ajudou a rever nossa estratégia, a UX e design do nosso produto e melhorar o nosso pitch. O evento Welcome Onboard do Start-Up Brasil teve muitos mentores bons e fizemos contatos interessantes. Fazer parte do programa nos dá mais credibilidade e também abre mais portas quando conversamos com parceiros ou investidores em potencial. O ponto negativo é que ainda não recebemos nenhuma parcela do pagamento da bolsa. Por sermos uma empresa estrangeira, o processo está sendo mais longo e devemos receber a primeira parcela vários meses após as startups nacionais.” (Luciana Caletti, da Love Mondays)
“O Programa Startup Brasil é um sucesso. É uma iniciativa que integra o fomento em pesquisa e desenvolvimento (CNPq), o conhecimento e o networking do ecossistema de startups (aceleradoras) e os executores do projeto (empreendedores).
Mesmo sendo esta a primeira edição, houve muito mais acertos do que erros. Tanto os organizadores do Startup Brasil, como o CNPq quiseram ouvir as aceleradoras e empresas para melhorarem as próximas edições.
Pontos positivos:
1. O programa de aceleração na Aceleratech está sendo muito produtivo. Muito conhecimento, mentorias, networking e trabalho!
2. Apesar de alguns problemas para a indicação de bolsistas, conseguimos resolver o problema da maioria dos bolsistas e estamos recebendo as bolsas.
Ponto negativo: Um dos integrantes da equipe largou o emprego no início do programa de aceleração, para ingressar no projeto como bolsista. Porém, teve a sua bolsa recusada em função da falta de conhecimento de que estágio não conta como experiência profissional.” (Victor Key Harada, da Profes)
“O programa tem fundamental importância pelo fato de entrarmos em um ecossistema novo; isso significa ter acesso a ‘conhecimentos e conhecedores’ – prova disso foi o primeiro encontro no Rio de Janeiro, que nos possibilitou uma troca de experiências e de feedbacks importantes a partir de outras aceleradoras e parceiros do processo.” (Carlos Eduardo P.Sarcinelli, da Sensorbox)
“A experiência da aceleração tem sido fantástica. Trabalhamos em uma atmosfera de colaboração e temos um clima muito amigável com todas as outras startups. Gostamos do programa da Papaya, que é muito coerente com as necessidades de um negócio embrionário e as mentorias tem realmente dado velocidade ao nosso processo de desenvolvimento. Além disso, as pessoas da aceleradora se mostram muito comprometidas em nos fazer crescer, o que é ótimo para a gente.
Quanto ao programa da Start-Up Brasil, é uma iniciativa bacana que tornou possível a proliferação de novos negócios provendo recursos que quase sempre são escassos nesse período inicial. A união das bolsas com a presença nas aceleradoras foi muito feliz. Entretanto, ficamos muitíssimo decepcionados com a morosidade de aprovação das bolsas e dos complexos processos burocráticos que as envolvem. A falta de intuitividade e usabilidade da plataforma Carlos Chagas (que usamos para cadastrar os currículos e solicitar as bolsas) unida com a escassa informação provida pelo CNPQ, colaboraram para que demorasse ainda mais para recebermos as bolsas. Inclusive ainda não consegui que todas elas fossem implementadas. Mesmo assim, tenho recomendado o programa a alguns amigos empreendedores e ficado disponível para sanar quaisquer dúvidas deles (e são muitas) que eu aprendi sentindo na pele.” (Beatriz Folly, da Wonq)
“Positivo: Dinheiro a fundo perdidoNegativo: Desorganização, baixo nível conhecimento dos processos por parte da StartupBrasil, burocracia” (o empreendedor optou por não revelar a identidade)
O que deve mudar
“Acredito que o processo tenha que ser mais intuitivo para quem não é do mundo científico. Implementar uma bolsa no CNPq usando o currículo Lattes é um processo altamente contra intuitivo. Aliás, ele é um processo que não foi feito para este tipo de financiamento e isso fica claro ao longo das etapas a serem percorridas. Por este motivo, acho que é necessário encontrar alguma solução que esteja mais alinhada com a realidade das startups: baixa burocracia e alta eficiência. Entendo que o CNPq faz o trabalho dele e de forma correta. A diligência que a startup passa para ter uma bolsa aprovada é digna de um processo de investimento e isso é positivo. Porém, entendo que poderíamos encontrar alguma forma de deixar as exigências um pouco mais próximas da realidade de uma startup (que é MUITO diferente de um processo científico de aprovação de projeto).” (Marcelo, da Convenia)
“Deveriam ficar um pouco mais claros os critérios de análise e liberação de bolsas do CNPq.” (Thiago, da Eventick)
“O acesso a informações sobre como se candidatar e como receber a bolsa do CNPq, especialmente para empresas estrangeiras. Tivemos que lidar com uma burocracia enorme de vistos e implementação da bolsa para sócios estrangeiros. Teria sido muito útil termos mais informações sobre como proceder.” (Luciana, da Love Mondays)
“As bolsas e bolsistas poderiam ser indicados, analisados e aprovados antes do início do programa de aceleração.” (Victor, da Profes)
“A forma de apresentação sobre como o processo pode acrescentar as startups. Eu sei que são muitos os benefícios diretos e indiretos, mas poderia existir um canal que resumisse isso para que as empresas parceiras coloquem como podem ajudar e as aceleradas possam optar e aproveitar todos os benefícios nesse espaço de tempo.” (Carlos Eduardo, da Sensorbox)
“A forma como o dinheiro é liberado, já que usam o CNPQ no formato de bolsas científicas.” (o empreendedor optou por não revelar a identidade)
Precauções ao ingressar no programa
“Leiam não apenas o edital com atenção, mas todos os documentos relativos à implementação de bolsas DTC no CNPq com atenção. Apenas o edital não informa o que deve ser entendido para o programa. Outra dica que o próprio CNPq nos informou é: ‘Leia todos os documentos com o olhar mais pessimista possível. Essa é a que será considerada.’” (Marcelo, da Convenia)
“Solicitar o valor completo. O CNPq funciona de forma diferente da FINEP e, por isso, é melhor assegurar um verba maior e se for o caso não utilizar tudo.” (Thiago, da Eventick)
“Acho que a principal dica da nossa parte é que você faça o seu planejamento financeiro sem contar com a bolsa logo no início do programa, principalmente se você é uma empresa estrangeira. O processo de visto, obtenção de CPF, abertura de conta bancária etc para os estrangeiros é muito mais demorado, então planeje seus recursos prevendo atrasos.” (Luciana, da Love Mondays)
“1. Conheça os programas de aceleração e procure se informar sobre os termos de contrato com as aceleradoras.
2. Mantenha o seu lattes no CNPq sempre atualizado.
3. Estágio não conta como experiência profissional
4. O vínculo do bolsista com a empresa executora nunca deve ser celetista.
5. Cuidado com quem será o coordenador do projeto. O coordenador não pode ter parentes bolsistas.
6. O anexo deve ser conciso de 15 a 20 páginas no máximo.
7. Leia o edital com atenção e atente para os critérios de julgamento do projeto. Note que o crivo é do CNPq, uma agência de pesquisa com foco em pesquisa (o foco não é investimento). Leia sobre o TI Maior do Governo.” (Victor, da Profes)
“A documentação tem que estar clara e objetiva sobre a solução da startup – e diria que é de suma importância que essa solução seja mostrada com todo o seu potencial de escalabilidade e penetração de mercado, ou seja, algo que dê o efeito boom, ou que gere o famoso comentário ‘Como ninguém pensou nisso até hoje’?
Em seguida, supondo sucesso e admissão ao programa, sugiro que se tenha muito cuidado com o preenchimento dos requisitos para obtenção da bolsa do CNPq – nesse ponto está a grande dificuldade: a maioria das startups é constituída de jovens, e um dos fatores que agregam pontos para obtenção de bolsas altas é a experiência. Só que ela deve ser comprovada; logo, não se deve almejar as maiores bolsas se não conseguirá comprovar sua experiência.
Mesmo nós, sócios, que temos 17 anos de experiência, tivemos dificuldade com a bolsa. Eu sempre fui primeiramente empresário e, em paralelo, inventor, consultor, professor em MBA, e nada disso ajudou. Meu êxito se deu pela documentação que sempre gerei como engenheiro. Aos engenheiros, sugiro que sempre façam suas ARTs (Atestados de Responsabilidade Técnica) e gerem suas CATs (Certidões de Acervo Técnico) de todos os projetos e trabalhos desenvolvidos e executados. Isso que comprovou minha experiência.” (Carlos Eduardo, da Sensorbox)
“Verifique os comprovantes de emprego formais dos candidatos a bolsistas antes de submeter.” (o empreendedor optou por não revelar a identidade)
Mea culpa
“Não ler todo o material do CNPq antes de aplicar ao processo. “Contratar” pessoas como bolsista é mais difícil do que parece. Os profissionais não querem sair de um trabalho CLT para serem bolsistas sem benefícios. Portanto, começar a recrutar pessoas o mais cedo possível é uma dica que eu daria.” (Marcelo, da Convenia)
“Aconselharia a empresa a nomear uma só pessoa para lidar com a questão burocrática do processo. É mais fácil e você terá mais controle sobre o que precisa ser feito para implementar a bolsa de cada membro do time.” (Luciana, da Love Mondays)
“Não sabia que estágio não contava como experiência profissional. Uma das pessoas da equipe não conseguiu pegar a bolsa por este desconhecimento nosso.” (Victor, da Profes)
“Acredito que o maior erro que cometemos foi o de achar que após termos passado no processo, todos os nossos problemas teriam acabado. Uma empresa precisa muito mais do que dinheiro. O segundo foi o de deduzir que o dinheiro estava garantido… Errado! Foi uma briga, tivemos a bolsa aprovada pela minha vida empresarial.” (Carlos Eduardo, da Sensorbox)
“Submetemos candidatos a bolsa sem comprovação formal de emprego, atrasando a liberação e reduzindo o valor das bolsas.” (o empreendedor optou por não revelar a identidade)
Considerações adicionais
“Sinceramente, acho louvável o esforço que o CNPq e a organização do Startup Brasil estão tendo para colocar o projeto de pé. E o ecossistema brasileiro precisava disso. Porém, é preciso que todas as partes se ajudem para as próximas turmas. Todos os envolvidos, inclusive startups, tem o dever de se conversarem e ajustarem eventuais arestas para colocar o Brasil, de fato, no circuito mundial de startups.” (Marcelo, da Convenia)
“Apesar da burocracia, o programa está valendo a pena.” (Luciana, da Love Mondays)
“Que todos tentem tirar proveito de todo ecossistema, façam e aproveitem os contatos, usem e abusem das empresas; é bom para as startups e é ótimo para você. Um caso de sucesso em mil sempre será um caso de sucesso.” (Carlos Eduardo, da Sensorbox)
“As aceleradoras deveriam expor seus contratos no site do Startup Brasil para os empreendedores conhecerem todas as condições.” (o empreendedor optou por não revelar a identidade)