A tecnologia não vem resolvendo os grandes problemas do mundo; quem conseguiria resolver são as empresas – mas também não estão. Não se trata de uma categoria especial de empreendedorismo, mas sim da verdadeira natureza do capitalismo. Infelizmente, nem sempre os decisores estão integrados nos processos de entregar valor (ou gerar mudança).
Este post é uma homenagem a todos leitores e clientes que me perguntaram se eu não ia publicar mais minha opinião sobre o mercado – algo mais analítico, opinativo e diferente, além das notícias pontuais. Com um pouco de gordurinha emocional acompanhando os nutrientes. Não estou reclamando do trabalho que o meio startup vem fazendo, mas sim depositando altíssimas esperanças. Pode parecer utopia, ou loucura de Diego, mas esta compreensão vem a partir de uma série de leituras que vim fazendo e resolvi compartilhar com vocês.
Duas leituras foram, na verdade, vídeos do TED.com. Mais do que interessantes, acho importantes. Talvez o que eles revelam não seja super novidade para todos, mas não acho que nosso mercado está conseguindo praticar a essência dessas mensagens. Também li uns trechos de um livro que parecia “chover no meu molhado”, mas agora pretendo ler inteiro. Além dos dois vídeos, comento aqui também um ebook.
Dane-se a simplificação dos pitches e a “comunicação no final”
O livro chama-se “Communicating the new: methods to shape and accelerate innovation” (na minha livre tradução: Comunicando o novo: métodos para formatar e acelerar inovação) e foi escrito pela consultora e professora Kim Erwin. O título pode não parecer chocante para empreendedores e tecnologistas, mas o conteúdo mostra como muita coisa não vai pra frente porque não tem alinhamento – e como a comunicação não consiste em meramente “preparar uma mensagem” para ser compartilhada). Não é coisa de blogueiro ou jornalista de startups.
No livro, a autora compartilhou o depoimento de um empreendedor, que exemplifica um problema recorrente no nosso meio: os investidores pedem pitches simplificados, e comparações, analogias que acabam por colocar as inovações em esteiras comuns. Depois, os mesmos investidores reclamam que já ouviram isso antes ou que não parece ter nada além da superfície. Estas abordagens de pitch podem funcionar para alguns casos, mas geralmente a inovação está ainda indefinida, em progresso, e a lógica de mercado de médio prazo dos investidores faz com que ignorem muitas coisas, enquanto acabam favorecendo “mais do mesmo”.
Outro trecho mostra que a cultura corporativa ainda trabalha na lógica de “executive buy-in”, que busca apenas aprovação dos decisores. O importante, quando se está criando coisas novas, é trazer esses caras ao longo do processo: “executive all-in”, o que pode parecer difícil, devido à louca carga de trabalho nas corporações (geralmente gestão burocrática), mas é o que funciona. Resumindo, a comunicação desde o início também serve para criar as coisas – ao invés de apenas comunicar as coisas ao final do processo de criação. Fazendo aí um link com o vídeo do Michael Porter, tem-se uma perspectiva de ação.
Afinal, a importância disso foi refletida até no livro “Tudo é óbvio – desde que você saiba a resposta correta” de Duncan Watts, que não trata de auto-ajuda, mas de como temos, coletivamente, um mau-hábito generalizado de não questionarmos pressupostos sociológicos e comportamentais. No geral, ele explica, as pessoas buscam argumentos e justificam qualquer interpretação dos comportamentos, subestimando a verificação em nome de um senso comum do “eu já sabia”. As questões não-hard, relacionadas a coisas mais soft (como comunicação), geralmente são tratadas com prepotência e subvalorização.
A tecnologia pode solucionar nossos grandes problemas?
Um vídeo chama-se “Can technology solve our big problems?” (na minha tradução livre: A tecnologia pode salvar nossos grandes problemas?) e consiste em uma apresentação do jornalista Jason Pontin, editor-chefe e publisher da revista MIT Techonology Review. O argumento dele: há muito tempo que a gente não supera grandes desafios com tecnologia – “permitimos que a tecnologia nos entretesse”. Após assistir e refletir, prefiro chamar este vídeo de “Caindo na real”.
O capitalismo pode resolver problemas sociais
O outro vídeo chama-se “Why business can be good at solving social problems” (na minha tradução livre: Por que os negócios podem ser bons para resolver problemas sociais) e trata-se de uma apresentação de Michael Porter, professor de Harvard e um dos mais respeitados autores e consultores de empresas. A este vídeo, prefiro chamar de “Chamando à responsabilidade”.
Trecho do vídeo de Porter (livre tradução minha)
“Há uma oportunidade fundamental hoje para os negócios: de impactar e endereçar problemas sociais. E esta oportunidade é a maior oportunidade de negócios que se pode ver hoje. Isso é o que eu chamo de valor compartilhado: endereçar um problema social com um modelo de negócio. Isso é valor compartilhado. Isso é capitalismo, uma forma mais avançada de capitalismo: é o capitalismo como se espera em seu nível mais profundo, abordando necessidades reais, não simplesmente competindo de forma incremental por diferenças triviais em atributos de produtos e participação de mercado. Valor compartilhado é quando conseguimos criar valor social e valor econômico ao mesmo tempo. É encontrar aquelas oportunidades que vão decolar a grande possibilidade que temos de endereçar esses problemas – pois daí podemos ter escala! Isso é real, está acontecendo”.
E nós com isso
Muita gente ainda tenta emular a cultura do Vale do Silício no Brasil, mas não se atenta a uma coisa importantíssima que também lá no Vale do Silício muita gente não se atenta: comunidade. E não estou falando de comunidade dos empreendedores, ou dos desenvolvedores, ou inovadores em geral. Estou falando da comunidade de pessoas que vivem lá/aqui, estou falando das cidades.
Você sabia que East Palo Alto – cidade a menos de duas milhas de distância de Palo Alto e Stanford, e a pouco mais de duas milhas de Menlo Park e Mountain View – tem um gueto violento onde, em duas semanas, oito pessoas foram baleadas? E Você sabia que em San Francisco as escolas públicas tem taxas baixíssimas de qualidade? Ou você achava que lá no Vale tudo era lindo e maravilhoso, só gente boa e de bem?
Ok, não estou generalizando, talvez isso não esteja fora de controle – e acontece em outros lugares também. Leia mais neste post. Pode até ser preferível estar perto desse tipo de infelicidade e também das benesses do Vale, em comparação às mesmas infelicidades aqui no Brasil. O meu ponto é: não adianta ficarmos endeusando criadores de apps e de empresas como se fossem a solução dos nossos problemas (e certamente temos problemas de todos os tipos em São Paulo, no Rio, em Porto Alegre, Maceió ou qualquer outra cidade). Não acho que salvar o mundo, começando pelo bairro, seja obrigação de startupeiro. Mas é co-responsabilidade de todos – e oportunidade para inovadores!
O que vale é repensarmos todos, perante tudo isso que os experts estão mostrando: aonde estamos indo? Não é para colônias em Marte, é para o Facebook. O fato de eu poder mergulhar em um ebook, ou email ou site social no meu celular enquanto a cidade explode em estresse ao meu redor não é um alívio. Por favor, pensem duas vezes antes de colocar no pitch de vocês que a sua startup tem como missão fazer do mundo um lugar melhor. E investidores: pensem melhor antes de dizer que fazem investimento de risco em inovação a longo prazo – enquanto só tomarem como base para avaliação a probabilidade de conseguirem fazer negócios e o quanto as empresas já estão prontas para isso. Se a responsabilidade não for assumida por vocês, empreendedores e investidores, o mérito também não será de vocês. Infelizmente, também não podemos contar muito com o Governo (estou falando no geral, não no desenvolvimento de startups). It’s the people, a bola está com as pessoas, que todos os dias fazem, executam, vivem o Brasil.
Mas eu ainda tenho esperanças, vide vários exemplos, de que as startups podem fazer muito mais e melhor por nós todos – com ajuda de investidores. Obviamente, sou fã do trabalho de vocês, empreendedores e investidores, e é uma honra botar o Startupi desde 2008 à disposição deste movimento. Ah, quanto melhor seria se tantas corporações também fossem um pouquinho mais capitalistas, no verdadeiro sentido do termo, conforme apresentado pelo Porter no vídeo acima.
Group hug!