Depois de muita busca e um longo namoro, chegou a hora da decisão sobre o modelo de participação. Apesar de ser um assunto técnico e chato ele é extremamente importante e necessário pois pode representar o sucesso ou o fracasso do casamento entre Empreendedor e Investidor.
Para esclarecer o mercado, o STARTUPI foi buscar respostas para esta questão junto aos representantes do ecossistema: Investidores Anjos, Empreendedores, Plataformas de Investimentos que atuam na conexão das duas pontas e Advogados especializados.
Como o assunto é complexo, vamos dividir esta matéria em 4 partes – uma por semana e para começar, esta semana entrevistamos João Kepler, um dos mais ativos Investidores Anjos em todo País.
Startupi: Apesar da instabilidade política e das incertezas econômicas no Brasil, temos visto desde o início do ano diversas Startups sendo investidas ou até mesmo adquiridas, esta semana foi a vez da ChefsClub receber um aporte milionário. Na sua visão, os investimentos vão ser suspensos em função da possibilidade de uma crise?
João Kepler: Se o investimento em Startups já estava requerendo mais atenção e cuidados, em momentos de crise, as demandas por investimento em negócios inovadores aumentam, porém a disponibilidade de recursos ofertados diminuiu momentaneamente no mercado. Se a analise para um investimento acontecer requeria tempo, cautela e critérios mais rigorosos dos modeles de negócios e nas questões jurídicas, agora quem tem dinheiro está esperando um pouco mais para ver o que vai acontecer no Brasil e ter mais segurança para investir. Não é que o dinheiro sumiu, é que em muitas vezes ele também pode ter mudado de mão”.
Startupi: Que tipo de contrato usar na parceria com uma Startup?
JK: Existem vários modelos, para decidir precisamos entender cada um deles:
- Participação no capital social no contrato social. A compra e venda de quotas, dando ao investidor a condição de sócio registrado da empresa, ou seja, titular dos respectivos direitos e deveres;
- Contrato de Parceria. Um contrato simples de parceria com direitos e deveres, com pouco eficácia jurídica, enfim um contrato de ”gaveta” ou o chamado “fio de bigode”;
- Concessão de mútuo conversível em participações: entrega de valor mediante obrigação de devolução em prazo certo e com encargos, ficando o investidor na condição de credor do valor mutuado, com a faculdade de converter o crédito em participação societária no capital da mutuaria, em condições previamente estabelecidas;
- Subscrição de debêntures conversíveis em participação: o investidor subscreve debêntures da empresa investida vinculadas a um contrato de investimento firmado pelas partes, que contempla as características das debêntures, critérios de conversão e demais condições;
Startupi: Qual a melhor dessas opções acima?
JK: Depende de cada investidor e momento da Startup. Mas, qual a que mais gosto e uso são as Debêntures Conversíveis, sem dúvida!
Na minha opinião, as Debêntures ou Notas conversíveis é o modelo mais adequado sob o ponto de vista de proteção ao investidor, por conta da natureza da relação jurídica que cria entre o investidor e a sociedade investida (de crédito, e não societária).
As condições e características do negócio são transparentes, não que os outros modelos não sejam, mais as debêntures tem importante efeito em relação a terceiros, já que os documentos são sujeitos a registro (escritura de emissão de direitos aos debenturistas), e portanto direito a um crédito. Além disso, a debênture é uma figura também existente em outras legislações e largamente utilizada na captação de recursos para financiamento das atividades das sociedades, o que facilitada na hora da negociação em rodadas futuras.
Startupi: Quais são as vantagens na perspectiva de quem investe através deste modelo de debêntures conversíveis?
JK: Vamos lá cidadã, vejo 4 vantagens:
- Por ser um título de crédito, o investidor é credor da investida, não assumindo a condição de sócio e os riscos inerentes no que se refere aos passivos oriundos do exercício das atividades operacionais da sociedade.
- Permite estabelecer regras que conferem ao investidor prerrogativas de sócio, como participação ativa na administração da sociedade (integrando seus órgãos de administração – Conselho), fiscalização e participação nos lucros e no pagamento de juros sobre capital próprio;
- Conversibilidade em ações a qualquer tempo durante o prazo de vigência: permite ao investidor definir o momento mais conveniente de tornar-se sócio, como por exemplo, em eventos de liquidez;
- Possibilidade de estabelecer a conversão em bases que assegurem ao investidor determinada quantidade de ações ou percentual fixo de participação na investida, com garantia de não diluição.
Startupi: quais são as principais dúvidas ou perguntas que você recebe sobre este assunto?
JK: Uma pergunta recorrente que recebo é se pode emitir debêntures para empresas LTDAs. Bem, não sou advogado, mas o que sei e entendo é que a emissão de debêntures por limitadas ainda pode gerar algum tipo de entendimento equivocado, isso porque o Código Civil de 2002 é silente a respeito, mas por outro lado, permite que estas sociedades limitadas adotem supletivamente as regras da Lei das Sociedades por Ações na hipótese de omissão das normas próprias, o que em tese abriria caminho para a emissão. Mas além disso, apesar de não existir restrição legal para essas emissões de debêntures com limitadas, algumas Juntas Comerciais de alguns Estados, não acatam o registro de escrituras de emissão por limitadas.
Eu entendo que a transformação para o tipo societário S/A é melhor em todos os sentidos, embora o custo de manutenção e das publicações legalmente exigidas seja um pouco maior, mas não é tão alto por conta das exceções previstas no art. 294 da Lei n. 6.404/76 que libera para sociedade pequenas com menos de 20 acionistas e patrimônio líquido inferior a um milhão de reais (caso das Startups), que os documentos aprovados poderão ser arquivados por cópia autenticada. Mais importante do que custos de montagem de uma S/A, é entender o propósito, pois quando se mira em atrair novos investidores, fundos, Venture Capital e outras rodadas futuras, a primeira condição para este tipo de investimento é transformar a sociedade em S/A, portanto se já partir neste modelo, todos estarão preparados.
Startupi: Mas para acontecer isso é preciso se preparar com documentos que garantem e que mostrem a governança da empresa. Qual são esses documentos e cronograma para fazer o modelo de dívidas Conversíveis?
JK: Agora estamos aprofundando o assunto cada vez mais, então vamos lá:
- Acordo de Vesting entre os empreendedores fundadores com regras para stock options. (Aquele que define a participação de cada um dos fundadores, os que estão no contrato social e os que não estão também, isso bem resolvido desde o começo é fundamental e dará menos chance para as brigas e desentendimentos).
- Memorando de entendimentos entre os empreendedores fundadores e os investidores (Aquele que define as regras e condições para o investimento)
- Escritura de Emissão Privada de Debêntures;
- Boletim de Subscrição;
- Minuta do Estatuto Social a ser adotado pela investida;
- Minuta de Acordo de Acionistas: este documento estabelecerá todas as condições do negócio, fixando desde logo as características das debêntures subscritas, regras de governança e de fiscalização da investida, regras especiais, direito de venda conjunta (tag along) dos debenturistas e as condições suspensivas a serem cumpridas pela empresa investida para implementação do investimento.
É isso, essa é a minha opinião. Quando o investimento é feito através de dívida conversível, o que os empreendedores precisam entender é que os investidores entram nesse jogo para ganhar ou para perder, e isso significa inclusive cobrança da dívida na sequência.
Startupi: Realmente este assunto é muito técnico e exige muito entendimento para não errar nas decisões. O Startupi recomenda muita leitura ou mesmo que empreendedores e até mesmo investidores consultem advogados e especialistas antes de tomar decisões, evitando assim arrependimentos futuros. Na próxima semana, esta matéria continua, vamos ouvir dois empreendedores que usaram um dos modelos acima sugeridos e entender por que optaram por este modelo, quais os riscos e dificuldades encontradas no processo.
Aguardem e continuem ligados!
21 comments
Excelente Matéria! Obrigado por abordar o tema e parabéns pela entrevista!
Muito bom!
Tirou várias dúvidas que eu tinha.
Parabéns e obrigado pela entrevista :)
Olá Rafael, obrigado pelo feedback. Que bom que foi útil pra você!
Olá Bruno, obrigado também pela leitura nesta entrevista. Abraço.
Olá João, me tirou muitas dúvidas e ajudou bastante com certeza. Mas tenho uma dúvida que persiste.
De repente você poderia me dar uma luz.
Estamos próximos de entrar no mercado, somos uma startup B2B com foco em Agências de Viagens. Trabalhei por 6 anos em uma posição de gestão em uma regional da maior operadora de viagens do país. Meu “ex-chefe”, o dono da empresa onde eu trabalhava pode vir a ser nosso investidor, estamos conversando. Ele nunca investiu em startup, tampouco eu já recebi investimento.
Pois bem, minha única dúvida que ficou, algo que acredito, será decisivo pra este investimento se desenrolar é: O investidor recebe uma participação nos lucros referente a sua parcela? Ou ele vai ver dinheiro somente no momento da saída? Ou existe um terceiro modelo de acordo que eu não esteja levando em consideração?
Estou pensando em: no momento em que a empresa gerar lucro, reinvestir 60% no negócio (isso se os 60% forem o suficiente para financiar os projetos relacionados as metas do próximo ano, se não for retornará 100% para o caixa) e distribuir 40% aos sócios, tanto investidores quanto executivos.
Sei que ainda não levantamos dinheiro, sequer entramos no mercado. Mas precisamos ter tudo acertado de antemão certo? Para depois não gerar conflitos ou atrapalhar o desenvolvimento do negócio.
Ficaria muito grato se pudesse me ajudar nesta questão João.
Forte abraço e sucesso!
Faltou deixar claro que grande parte dessas opções só são válidas para empresas do tipo SA. O que elimina grande parte dos investimentos Angel e Seed que as Startups iniciantes buscam primeiro.
Gostei! seria legal falar um pouco sobre due diligence.
Olá Fabricio, você está enganado, minhas respostas nesta entrevista servem também para LTDA. Eu inclusivo afirmo isso no corpo do texto. O fato de falar minha prefrerência por S/A, não quer dizer que todos devem fazer o mesmo. Aliás, mostro inclusive modelos de contratos mais simples como o de parceria específica. Portanto, acredito que cada modelo depende do seu momento na startup e do investidor parceiro. Sucesso!
Olá Ivo, que bom que gostou. O Portal Startupi informou que deve continuar uma série de matérias sobre este assunto investimento. Bem lembrado, a sua sugestão é totalmente pertinente, pois dependendo do estágio do seu CNPJ o Due Diligence (simples ou completo) seria condição para avançar.
Ótimo texto. Só uma coisa não ficou clara pra mim. Quando fala “o que os empreendedores precisam entender é que os investidores entram nesse jogo para ganhar ou para perder, e isso significa inclusive cobrança da dívida na sequência”, isto significa que no caso de as coisas darem errado e o investidor não se interessar em converter as debêntures em participação na sociedade ele irá cobrar do empreendedor o dinheiro investido? Se for este o caso então na realidade o risco é todo do empreendedor!
Olá Ricardo, eu que eu quero dizer é que você precisa fazer um bom TERMO DE INVESTIMENTO, onde as regras fiquem claras, CASO o negócio não aconteça ou dê prejuizos na sequência. Neste caso, o risco será de ambas as partes.
Legal João, gostaria de saber mais sobre esse relacionamento entre o investidor e o empreendedor por exemplo quais as obrigações de ambos, e como o investidor se comporta no projeto, ele fica apenas dando uma visão a longo prazo etc? Já li os livros do Cássio que são sensacionais mas sou empreendedor de primeira viagem e acredito que está chegando meu tempo de buscar um investidor anjo.
Obrigado João.
Walter Battistel
Excelente texto, muito esclarecedor sem duvida!
Gostaria de uma opinião sua para meu caso:
Estou
desenvolvendo um equipamento (aerogerador), com recursos proprios ha
cerca de 4 anos, para tanto contratei especialistas nas areas afins
(tecnologicas), como ex prof. drs. em aerodinamica do ITA, UNESP, entre
outros, todos por tarefas especificas que já foram pagas.
Agora estou
em fase final de contrução de um protótipo piloto comercial, ou seja,
será o primeiro produto da linha, que deve ficar pronto em 01 mes.
Ja
abri uma LTDA, ha um ano, porem sem movimentação, e agora transformando
para industria (minha industria será uma montadora), pois já desenvolvi
todos os fornecedores das partes e já fabriquei o molde da (grande
diferencial do meu equipamento), pois foi desenvolvido para ventos de
média/baixa velocidades, um dos unicos no mundo com este indice (8,5
ms).
Agora preciso de um investidor anjo, para iniciar a linha de produção e custear todas as despesas adm, coml e de produção.
Perguntas:
Qual tipo de contrato seria melhor para mim? Quanto (em percentual)
devo dispor para o investidor? Considerando que já não tenho mais
capital para investir no negocio. Como não tenho mais renda e nem capital, o investidor deve custear tb. meu pro-labore?
Agradeço sua colaboração/opinião.
Abraço.
Walter Battistel
Excelente! Achei ótima a coincidência de assuntos, o último post que escrevi para meu blog, que fornece dicas jurídicas a startups, foi, exatamente, sobre o memorando de entendimentos!
http://direitoforstartups.com/2015/03/16/memorando-de-entendimentos-episodio-i-afastando-a-ameaca-fantasma/
Oi João Kepler, fico muito feliz quando vejo investidores reforçando a necessidade de um termo de investimento bem escrito. Sempre faço questão de salientar que definir regras serve não só para reduzir conflitos quando o negócio dá errado, mas também para alinhar as expectativas durante todo o desenvolvimento do empreendimento. Obrigada pela contribuição! Vou aproveitar sua dica e escrever sobre os aspectos jurídicos do termo de investimento em meu blog, o http://direitoforstartups.com/.
Valeu pelo retorno.
Faltou atenção minha na questão
Sou advogado e finalmente vejo uma entrevista que traz algo realmente útil para os empreendedores e até investidores. Parabéns à jornalista e ao entrevistado pelo conteúdo e por sua objetividade.
Olá Bruno, desculpe a demorar em responder. Mas vamos a sua pergunta:
O modelo de retorno sobre o investimento pode e deve ser combinado no momento do investimento.
Esse retorno pode ser em Dividendos, ou seja, combinar um ganho mensal, trimestral, semestral ou anual sobre o lucro da empresa. Nesta opção pode também fazer reservas para investimento, possíveis prejuízos, enfim, qualquer valor que possa garantir um momento de baixa venda, por exemplo. Após isso, proceder a divisão proporcional a participação de cada sócio.
Ou pode ser somente na saída do investidor quando vender a sua prticipação ou quando a empresa for vendida.
Abraço e sucesso!
Olá João, bom dia!
Sem problemas, sei que você tem a vida sempre muito corrida!
Maravilha, sua resposta me ajudou a definir esta questão e chegou bem a tempo! Vamos fazer este modelo 60/40 que comentei, distribuição anual. Decidimos no possível evento de venda ou liquidação trabalhar com 1X Preferred Participating Stock. Acreditamos que esse modelo é o mais justo e seguro para investidores, empreendedores e para a própria empresa.
Obrigado João, ajudou muito mesmo!
Sucesso sempre!!!
Informações muito úteis!
Pessoal, iniciamos recentemente algumas ações para buscar um investidor para o nosso projeto, mas ainda não consegui, de forma clara, saber qual percentagem que os investidores no Brasil costumam pedir no projeto. Estou ciente que isso depende de inúmeros fatores, mas gostaria de saber de vocês se existe um padrão/média.
De vez em quando assisto o programa do Sócio – History, e vejo o desfecho exatamente assim, quando o acordo não é cumprido tem penalidade para o empreendedor! Quando o investidor se sente lesado, regras não cumpridas e etc.. talvez isto seja um ponto a considerar no contrato, prejuízo (expectativa) ou quebra de regras (decisão do investidor).
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